por Joaquim Oliveira
A determinação administrativa mais antiga
que conheço no que concerne à regulamentação de distribuição de recursos
hídricos da região de Azeitão, diz respeito à nascente conhecida como a do
Rio de São Simão, situada a montante de Vila Fresca de Azeitão, em terreno
baldio, indevidamente usurpados, junto à “Azinhaga de Mata
Burros”, entre a “Vinha do Rio” e a “Serra do Parreira”.
Acontece que essa regulamentação, de que não
se conhece prova escrita, era respeitada por todos os que por ela eram
abrangidos e, somente por força das circunstâncias, entre as quais a
extinção de pomares e hortas a irrigar, e a proliferação de furos
artesianos e minas de água, abertas a montante e a jusante que quase
“secaram” a nascente, não tem actualmente qualquer interesse.
Esta nascente, debitava um
caudal importante e imprescindível, para a irrigação de diversas quintas e
pomares das proximidades, a qual se processava em sistema de alternância
diária, com horário acordado e firmado por escritura entre os vários
proprietários dos pomares, entre os quais se contavam os da Quinta da
Bacalhoa, como se poderá verificar no que consta na “tombação” do
Morgado da Bacalhoa, mandada fazer por D. Jorge Manuel de Albuquerque, em
1630, ao licenciado Manuel Álvares Frausto, juiz de Marvão. A determinada
altura desse documento pode ler-se o seguinte :
“(...) Título do Pomar, da Quinta da
Bacalhoa ... Item um pomar ... todo plantado de infinitas laranjeiras
em ordem, limoeiros e cidreiras ... Tem do nascente ... um tanque de
água, ladrilhado por baixo, que cobre um homem, cercado de predaria e de
azulejo, feito em forma quadrada : tem vinte e nove varas de comprimento e
fazem em circuito cento e dezesseis , do qual se rega todo o pomar atrás
declarado com água do Rio São Simão, de que lhe pertence toda a dita água
quatro dias naturais e tres horas cada nove dias ... "
Ainda sobre o "Rio de São
Simão", diz-nos o ilustre Azeitonense, António de Oliveira Parreira :
"(...) as freguesias são delimitadas por um ribeiro, que correndo da
Fonte do Pereiro aflui na corrente do rio de São Simão, e as suas águas vão
depois afluir no Coina.
Estes ribeiros, no Verão, secam
completamente, porque as águas das suas nascentes são aplicadas às regas dos
pomares que circundam Vila Fresca. A distribuição das águas do rio de São
Simão acha-se determinada em escrituras antiquíssimas , sem que se encontre
a escritura primordial pela qual foi estabelecida ... "
Também o Pároco de São Simão,
Padre Manuel José de Távora, em seu relato de 1578 refere que : "(...)
Junto à Aldeia de Vila Frexe está um lago pequeno de água a que chamam o rio
de São Simão que continuamente está nele crescendo grande abundância de água
com que se regam repartidamente por horas, oito quintas. O lago ou charco
tem pouca altura e uma pedra no meio que dizem alguns vedores de água que se
lha quebrassem ou tirassem seria tanta a água que se alagaria todo o Azeitão
... "
Das oito quintas supra referidas, poderemos
dizer que para além da Bacalhoa, temos conhecimento das seguintes : Quinta
do César” ; “Quinta da Palha-Vã de Baixo” ; “Quinta do Freixo” ; “Quinta da
Má Partilha” ; “Pravoice” ; “Quinta Velha” e “Olho de Boi” .
No que concerne ao abastecimento
da Quinta da Bacalhoa pelo “Rio de São Simão”, este, segundo Joaquim
Rasteiro, no seu Livro “Quinta e Palácio da Bacalhoa, (1895) não se
restringia somente ao lago e aos pomares. Em determinados períodos do ano
contribuía para a laboração dos dois lagares da propriedade. Na página 65 do
citado livro, escreve o ilustre azeitonense:
- “(...) defronte do pateo, para este entre
as casa dos creados e outra porta maior ... por onde pode entrar um coche,
e defronte d’ella fica uma cocheira , e à ilharga, da parte norte, fica um
lagar de vinho e a outra ilharga, para a parte do nascente , um lagar de
azeite com quatro varas e dois moinhos e duas caldeiras e todas as mais
pertenças necessarias aos ditos lagares, e para a moenda d’estes lagares vem
a agua do rio de S. Simão, que lhe é necessaria por servidão emquanto moer
... “ Este abastecimento era
efectuado através “de um muro de cano de agua que vai da Casa do açougue
(Mercado) que está de fora dos muros da Quinta ...” Presumo, pela
descrição da situação deste “Açougue” que o mesmo se localizava junto ao
chafariz, o qual recebia, igualmente, água desta nascente.
Quer as quintas, quer o chafariz, eram
abastecidos por um complexo sistema de canalização, talhado na pedra viva ou
construído peça a peça em calcário da região. Estas peças de cerca de dois
metros de comprimento, talhadas em meia-cana eram depois cobertas com lajes
do mesmo material, seladas com argamassa de cal.
O subsolo de Vila Fresca está
minado por este sistema, tendo parte dele sido aproveitado para esgoto de
águas pluviais e residuais.
Muito recentemente, aquando da
abertura de valas para reparação de uma conduta de água, junto aos números
12 a 18 da Rua Cesarina Belo, local onde esteve instalado “o lagar de
duas varas dos Frades de São Domingos”, (cujos enormes pesos de
alavanca, em cantaria, até há pouco estavam na via pública, e
“desapareceram” ... e do qual, há ainda outros vestígios de cujo paradeiro
tenho conhecimento) fui alertado para a existência, no local, de
canalizações abertas no roço, as quais, presumo, deveriam ter servido para
conduta da água, proveniente do Rio de São Simão, necessária à laboração
deste antiquíssimo
lagar.
A nascente do Rio de São Simão
passou a ser utilizada, no fim do século passado, como local de lavagem de
roupa. «enchendo-se de imundices e de limos e passando a exalar um cheiro
nauseabundo».
O vereador, por Azeitão, na Câmara de
Setúbal, senhor Bogarim chamou a atenção da edilidade para este facto e para
a necessidade de os “quatro proprietários confinantes das suas águas»
o solucionarem com a maior brevidade. Um destes sugeriu a construção de um
muro de suporte que evitasse o desmoronamento das terras no local em que a
água estagnava e também a edificação de um tanque destinado ao serviço de
lavagem de roupa. Foi esta a origem do lavadouro municipal do Rio de São
Simão, o primeiro que se construiu em Azeitão e que a população da
localidade utilizou durante muitos anos.