A informação que a seguir
se transcreve foi retirada da Monografia sobre São Simão do Sr. Joaquim de
Oliveira.
ERMIDA DE NOSSA SENHORA
DAS NECESSIDADES
A CRUZ DAS VENDAS
(In,
Relatório do Pároco de São Simão, em 1758 - Torre do Tombo)
Em o
alto da serra a que as Aldeias estão encostadas, um pouco distante delas, está a
Ermida da Nossa Senhora das Necessidades. Tem esta ermida uma cruz com uma hasta
de duas varas e meia de comprimento, e encima continua uma pequena cruz
maravilhosamente lavrada com duas imagens ; para a parte do Norte a imagem de
Cristo com a vocação de Senhor da Boa Ventura e da parte do Sul, na cruzada dos
braços, a imagem de Nossa Senhora com a vocação das Necessidades, tudo de pedra
branca e muito fina que dizem os artífices não ser destes contornos. O pé é da
mesma pedra, em oitavado ;e lhe servem de ornato dois altares ; em cujo pé estão
umas letras góticas que dizem o seguinte : « por serviço de Deos Vasco Queimado
de Villalobos fidalgo da Casa de El Rey e goarda mor que foy do Infante dom
Pedro e camareiro e do Concelho dos Duques Fellipe e Carlos de Borgonha mandou
por aqui esta cruz era mil quatro centos e setenta e coatro rogai a deos por sua
alma ».
Esta
cruz estava ao rigor do tempo até que um homem Chamado Manuel Martins de sua
devoção e com seu dinheiro e algumas esmolas que alcançou fez uma ermida a que
deu princípio em 27 de Abril de mil setecentos e quarenta e oito anos, e em
primeiro de Maio de setecentos e cincoenta se benzeu, e se ficou sempre fazendo
a festa em o dito. e no dia tres do mesmo se faz também festa, e acode grande
concurso de gente de distâncias de duas a tres léguas ..."
Sobre
a Ermida votiva a Nossa Senhora
das Necessidades
e do monumento chamado "Cruz das Vendas" para além do supra dito, muito mais há
a dizer. Vejamos, em síntese, como se processou
a sua evolução histórica:
A
passagem entre os montes de São Simão e São Francisco fazia-se em solo do
morgado de Alcube e era conhecida por Portela da Cruz por ali ter sido erigida
em 1474, por Vasco Queimado de Villa Lobos, um cruzeiro a que se chamou Cruz das
Vendas. O monumento esteve durante séculos ao ar livre. elevando-se aquela
soberba iminência donde muito longe podia ser avistada .
O
padrão de Vasco Queimado de Villa Lobos é uma cruz floreada, colocada sobre uma
haste oitavada de dois metros de altura e que tem uma base octogonal, talhada em
pirâmide onde se encontra, em caracteres góticos a inscrição já mencionada.
Na
parte superior da cruz estão esculpidas duas pequenas imagens, representando, a
do lado poente, Jesus crucificado e do lado nascente, a Virgem Maria. Por baixo
das esculturas, rodeando a haste da cruz, reconhecem-se quatro brasões, todos
orlados, o maior dos quais são as armas dos Villa Lobos, representados por dois
leões passantes e encimados por um elmo de perfil, de grades abertas, indicando
alta linhagem. Os três brasões mais pequenos têm, como constituição heráldica,
respectivamente, um leão rompante, uma cabeça de lobo e uma barra abocada por
duas cabeças de serpente .
A
Cruz das Vendas como também é conhecido o padrão esteve ao rigor do tempo
durante séculos, sendo resguardado, nos meados do século XVIII dentro da
ermida de Nossa Senhora das Necessidades, onde até hoje se encontra.
De
princípio, seria, no âmbito deste trabalho, a monografia adequada para estes
monumentos. Contudo, tendo presente a história da construção da ermida, da
transladação do cruzeiro, e o retrato da época, contada na "Revista Illustrada"
, nº 44 de 1892, por um dos maiores historiadores de Azeitão, Joaquim
Rasteiro, sinto-me na obrigação de a divulgar. Como tal, transcrevo-a na sua
quase totalidade, fazendo-o, respeitando a escrita original. (os subtítulos
são de responsabilidade desta edição).
Escreveu Joaquim Rasteiro:
A Paisagem
"A
portella das Necessidades separa os montes de São Simão e São Francisco e dá
passagem á estrada real nº 22. É um dos mais bellos logares de passeio e um dos
mais formosos sitios frequentados pelos forasteiros, que em Azeitão passam a
estação calmosa. A subida é suave e coberta de prolongados arvoredos. Ao
nascente o valle d'Alcube, talhado a meio pela ribeira, que choupos esguios de
longe apontam, é bordado a mil côres pelo vermelho das argilas , pelo branco dos
calcareos, pelo pardacento dos humus, pelos verdes variados das producções
silvestres e plantações culturaes .
Uma casa antiga de fórmas irregulares alveja por entre a verdura dos eucalyptos
e o esbranquiçado dos alamos - é o solar do morgado de Pilatos, fundado no
século XVI por Alvaro de Sousa e sua mulher D. Francisca de Távora, franciscano
da provincia de Santo António que leu artes e theologia nos conventos de sua
ordem e foi bispo do Funchal. Manoel de Mello, grão-prior do Crato, porteiro-mór
e um dos conjurados de 1640, ali teve residência...
...
Além do valle , multiplicadas ravinas, caindo do Cordova, semelham as pregas de
um véu gigante, lançado sobre o monte, que parece só ter-se separado da serra da
Arrábida para deixar estender a vista ao Sado e suas marinhas e uma tira do
território transtagano a perder d'olhos. Ao cair da noite, quando o despontar da
lua desenha os contornos phantasiosos da crista das serras e montes, é deveras
masgestoso o espectaculo, que se goza do alto da portella.
Se
aqui nos demoramos voltados para o norte, quando uma luz forte illumina o largo
panorama, é o que ha de mais esplendoroso - o oceano, o Tejo, Cintra, Lisboa, e
tudo o mais até Santarem, emmoldurando uma tela enorme, com as aldeias d'Azeitão
lançadas caprichosamente na planura e aqui e acolá por entre o verde dos pinhaes,
branquejando, pequenas casas em terras de cultura ; mais ao largo todas as
povoações marginaes da esquerda do Tejo.
No
corte da portella, como que guardando a passagem, está a ermida das
Necessidades, com eremitério junto. Pousa a cavalleiro da estrada e resguarda
uma cruz , que, por quasi tres seculos, dispensou aquelle abrigo ...
A Cruz de Vasco Queimado de Villa-Lobos
...
É um monumento da piedade religiosa dos velhos tempos que se encontra no centro
da ermida sobre um dado de alvenaria ordinaria, formando nas suas quatro faces
lateraes outros tantos altares. É possivel que a tosca algamassa vele alguma
trabalho em pedra, que melhor fora ficar a descoberto .
A
base da cruz é octogona e pyramidal, e n'ella se lê :
Por
serviço de Deus. Vasco Queimado de Villa Lobos, fidalgo da casa d'el-rei e
guarda-mór, que foi do infante D. Pedro e camareiro e do conselho dos duques
Filippe e Carlos de Borgonha, mandou pôr aqui esta cruz. Era 1474 annos. Rogae a
Deus por sua alma "
... O
infante, de que ali se trata é D. Pedro, dito da Alfarrobeira, morto em 20 de
Maio de 1449 pelas gentes do seu sobrinho e genro Affonso V.
Os
duques são Filippe, o Bom, casado com Isabel de Portugal e Carlos, o Temerario,
seu filho, morto em frente de Nancy a 5 de Janeiro de 1477.
Não
consta que Vasco Queimado tivesse a propriedade do sitio e desconhece-se a
causa, que determinou a collocação da cruz n'aquelle logar; é de crer, porém que
Vasco só ali se a levantasse como prece á piedade dos viandantes, convidando-os
á oração pelo descanço de sua alma.
O
monumento de Vasco Queimado é uma cruz floreada sobre uma haste de uns dois
metros de alto ; na face que olha a poente tem a imagem do Christo crucificado,
symbolizando talvez o occaso da vida ; na face do nascente ha uma imagem de
Maria , querendo dizer que d'ella nos veiu o filho, como do oriente raia a
primeira luz .
Sobre
a haste, em torno da pedra, que serve de peanha á cruz, ha quatro escudos todos
orlados ; no da frente por debaixo do Christo, ha um escudo em diagonal com as
armas dos Villa-Lobos, 2 lobos passantes esplados ... Sobre o escudo um elmo
aberto, indicativo de alta linhagem. na face opposta, n'um escudo perpendicular
está uma cabeça de lobo. No lado norte o escudo tem uma banda saindo de duas
cabeças de serpe: corresponde-lhe do sul outro escudo com um leão ".
A
ermida das Necessidades é de moderna data. Foi edificada no meado do século
XVIII por deligencias de Manuel Martins, homem de pouca fazenda, habitante da
vizinha aldeia das Vendas. O porteiro-mór José de Sousa e Mello permitiu a
edificação e contribuiu para ella com longo donativo . José de Mello ficou
padroeiro da ermida e Manuel Martins teve a faculdade de collocar sobre a porta
uma lápide com o seu nome e fazer-se sepultar no recinto sagrado.
Antes
da edificação da ermida o logar era chamado portella da Cruz.
As Lendas
Como
ao divino sempre anda ligado o fabuloso, esta cruz tem também a sua lenda
maravilhosa entre o povo .
Nas
praias de Manguellas (hoje Ajuda) foi encontrada a cruz, fabrica dos Anjos, como
demonstram o seu apparecimento maravilhoso e a execução aprimorada dos lavores.
Um dia o senhor pretendeu leva-la para Lisboa, fazendo-a seguir caminho
d'Azeitão n'um carro ; chegada porém à portela, não poderam mais os bois
arrastar a carga; reforçados com outras juntas e instigados pela voz e aguilhão
dos condutores não lograram fazer mover o carro, até que este se partiu,
reconhecendo-se daqui, que era determinação divina não passar mais além e ali
foi colocada, mas sempre crescendo, segundo a lenda.
Há
anos, talvez pelo decrescimento da fé, a cruz deixou de elevar-se, e parece
haver estacionado, a não ir com ela aumentando o comprimento do metro.
VASCO QUEIMADO DE VILLA
- LOBOS
«(...) Em tempos do rei Diniz esteve ao seu serviço Pedro Martins Queimado,
homem-fidalgo que teve um filho Ruy Queimado. Não consta quem fosse sua mãe,
porque as unicas noticias a seu respeito são colhidas de uma inquirição a que o
rei mandou proceder para dar a Martim Paes os privilegios que lhe advinham por
ser collaço do filho de um nobre , pois Mayor Paes, mãe de Martim, havia
amamentado Ruy Queimado e seu filho ficava livre de toda a pena vil.»
Um
Nobiliário da biblioteca de Lisboa, seguindo uma inscrição sepulcral da
capela-mor do mosteiro de S. Francisco de Setúbal diz, que Ruy Queimado filho de
Vasco Queimado que seguiu a voz do mestre de Aviz e casou com Maria Eannes
Escobar. Destes nasceu um outro Vasco Queimado, que também ouvia João I e que
era casado com D. Isabel de Villa-Lobos. Estes foram os progenitores de Vasco
Queimado de Villa-Lobos, de que reza a inscrição da cruz.
O
lugar de guarda-mor do infante era de grande preeminência e confiança, pois
assistia ao deitar e ao erguer do senhor, tinha as chaves da porta da sua câmara
e junto desta porta dormia a noite.
Em
1449 Vasco Queimado achou-se no combate da Alfarrobeira, em que foi prisioneiro
e sofreu, com os demais vencidos, o confisco dos bens. Restituído á liberdade
por lograr evadir-se do cárcere, ou por outra forma, passou a Inglaterra com
"carta de favor" da rainha D. Isabel, filha do príncipe seu amo, para Henrique
VI na qual muito recomendava sua pessoa, nobreza e partes. Serviu este rei nas
guerras com Carlos VII de França, alcançando as honrarias que contam da legenda.
Repatriado ainda no reinado do algoz do ilustre infante D. Pedro, não casou, mas
de Helena Fernandes, moça solteira, teve três filhos : Vasco, Job e Isabel,
nomes que não seriam do acaso : Vasco lembraria os da sua raça, Job a
resignação com que sofreu o cativeiro e perda dos bens, Isabel memoraria a
rainha, sua protectora. Vasco, legitimado em 1476, foi guarda-mor da casa da
Índia no tempo do rei D. Manuel.
Job
teve o mesmo lugar de seu irmão e foi provedor das feitorias de Tanger, Alcácer,
Ceuta e Azamor.
Isabel casou com Nuno Fernandes da Mina, comendador de Panoyas.
Vasco
Queimado de Villa Lobos, diz D. Rodrigo da Cunha, professou na ordem de S.
Francisco e parece ter acabado seus dias no mosteiro de Setúbal.
Nesta
cidade ha ainda uma rua do Queimado, talvez do nome deste ou dos da sua família.
A
informação
seguinte é retirada do site da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos
Nacionais, endereço: www.monumentos.pt
IPA
Monumento
NºIPA
1512040003
Designação
Cruz das Vendas em Vila Fresca de Azeitão
Localização
Setúbal, Setúbal, São Lourenço
Acesso
Capela das Necessidades, em Vendas de Azeitão, situada junto à EN. 10, à saída
da vila
Protecção
MN, Dec. 16-06-1910, DG 136 de 23 Junho 1910
Enquadramento
Rural. A cruz insere-se ao centro da capela das Necessidades. O volume
prismático da capela, que se situa em zona descampada, mostra uma fachada de
empena contracurvada, rasgada por porta de verga em arco segmentar ladeada por 2
frestas.
Descrição
Soco de planta octogonal com uma inscrição onde assenta uma coluna sextavada,
encimada por peanha com 4 brasões de armas adossados (um deles um escudo com as
armas dos Villalobos), sustentando uma cruz floreada com a imagem de Cristo
crucificado de um lado, a Virgem com o Menino segurando uma pomba, do lado
oposto. De volta da base 4 altares.
Utilização Inicial
Cultual
Utilização Actual
Cultual
Propriedade
Privada: pessoa singular
Afectação
Época de Construção
Idade Moderna séc. 15
Arquitecto / Construtor / Autor
Cronologia
1474 - construção atribuída a Vasco Queimado de Villalobos, guarda-mor de D.
Pedro, duque de Coimbra, segundo inscrição gótica no monumento; 1756 -
construção da capela das Necessidades para lhe servir de abrigo, por iniciativa
de Manuel Martins, morador nas Vendas, nela sepultado.
Tipologia
Cruzeiro, Gótico. Cruzeiro devocional de caminho.
Características Particulares
Cruzeiro posteriormente inserido em capela setecentista.
Dados Técnicos
Estrutura autoportante
Materiais
Cantaria de pedra
Bibliografia
RASTEIRO, Joaquim, A cruz das vendas, in Revista Ilustrada, nº 44, 31 de Jan.
1892; Guia de Portugal, vol. I, Lisboa, 1924; Tesouros Artísticos de Portugal,
Lisboa, 1976.
Documentação Gráfica
Documentação Fotográfica
Documentação Administrativa
Intervenção Realizada
Observações
Inscrição na base do cruzeiro, em caracteres góticos: "Por serviço de Deus,
Vasco Queimado de Villalobos, fidalgo da casa d'El-Rei e guarda-mor que foi do
Infante D. Pedro e camareiro e do Conselho dos Duques Filipe e Carlos de
Borgonha,mandou pôr aqui esta cruz. Era 1474 annos. Rogae a Deus por sua alma."
Autor e Data
Isabel Mendonça 1992