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A Quinta do Peru pertenceu, também,
a Antonio Cremer. Contrariamente ao que sucedeu com o solar da Quinta da
Conceição, o palácio da Quinta do Peru teve um destino diferente, ficando a sua
construção por concluir quando o seu proprietário faleceu, em 1733.
António Cremer adquiriu em
Abril de 1715, a Gonçalo de Andrade, morador na Aldeia de Oleiros, um casal
chamado Peru, que os vendedores possuíam junto da ribeira de João Picão de
Mendonça e dos matos de Catralvos e que constava de «casa, currais, matos,
pinheiros, e mais todas as suas pertenças».
Oliveira Parreira afirmou na
sua memória sobre Azeitão que Cremer era donatário de uma vila que deveria
fundar e a que deu princípio no sítio denominado Peru, onde começou outro
palácio, a imitação do de Calhariz. Admitiu também que «foi talvez a sua riqueza
e a reputação das minas de Potosi no Peru que deram o nome a este sítio.
Todos os documentos que
consultamos, respeitantes ao «casal chamado Peru», não corroboram, no entanto,
este ponto de vista. Por um lado, a designação «Peru» já existia muito tempo
antes da compra efectuada por António Cremer e na escritura da sua aquisição
chamava-se-lhe, inclusivamente, «Perum», como era frequente dizer-se antigamente
em Azeitão. Por outro lado, lê-se no testamento de António Cremer e esposa,
feito em 25 de Fevereiro de 1733, que a construção tinha por finalidade: «Depois
de cumpridos os nossos legados, instituímos um morgadio para o que tomamos nas
nossas terras a nossa quinta do Peru, que queremos seja a cabeça do nosso
morgadio, para o que chamamos em primeiro lugar o nosso filho Maurício José para
que nele a sua descendência se perpetue.» Tratava-se portanto da instituição de
um morgadio de que a nova edificação pretendia vir a ser a «cabeça».
A Quinta da Conceição e o
casal e a charneca chamados Peru foram medidos e demarcados em 1722, sendo
colocados marcos de cantaria lavrada com o letreiro Cremer.
Dom João V, em 1715, e sua
mulher, a Rainha D. Ana Maria de Áustria, e infantes, em 1725, visitaram as duas
quintas de António Cremer. Por ocasião desta última visita, Sua Majestade foi
recebido «com uma salva de nove peças e lhe ofereceram um refresco». A primeira
destas manifestações esteve estritamente relacionada. como é obvio, com o facto
de António Cremer ser o Intendente da Pólvora do Reino.
Quando António Cremer faleceu
em Fevereiro de 1733, a Quinta do peru foi avaliada em 92000$00 réis e constava
de «casa de campo nova, por acabar, que era formada de várias casas e alguns
exteriores de fora», «todas ornadas com muita quantidade de pedraria lavrada e
fora desta tem a sua entrada pela porta principal aos dois lados, a para deles
está o lagar e na outra parte a estrebaria, palheiro, um poço de nora, uma
ermida e várias pedras lavradas por assentar, como também materiais, tijolos e
telhas, lajedos de jaspe da Holanda e várias ferragens». Possuía também «vinhas,
terras e, na charneca, algumas oliveiras novas».
André Pedro Cremer Van Zeller,
quando era admlnistrador do morgadio, ainda em vida de sua mãe, comprou por
arrematação em praça uma quinta no sítio da Ribeira que tinha sido expropriada
pelo capitão Ângelo da Silva Maia Selir ao médico Dr. José de Matos Rocha. Esta
propriedade, que foi incluída no morgadio do Peru, chamava-se Quinta da Prata,
confinava com as terras e Alvito, Quinta da Conceição e Vala Real e era
constituída por «vinha, arvores de fruto, oliveiras, terras cultivadas, moinho e
umas casas térreas».
Em 1745 D. Catarina Sofia
Cremer deu conhecimento a D. João V que o rendimento da quinta do Peru apenas
permitia cobrir as suas despesas e pediu-lhe autorização para a dividir em
courelas, de 100x40 varas, as quais pretendia conceder de aforamento em
fateusim. Foi esta a origem dos chamados «foros do Peru»..
Datam da época em que o
morgadio era administrado por Maurício Cremer a aquisição das terras do Alvito,
que tinham sido expropriadas à Casa de Aveiro, e também a construção de uma
ponte sobre a ribeira dos Canais - que se chamou Ponte de Cremer -mandada fazer
pelo juiz de fora Machado Faria, colaborando Cremer com o fornecimento de
pinheiros e outros materiais necessários a execução da obra.
Por morte de Maurício José
Cremer, as propriedades passaram à posse de sua filha, que, não possuindo
descendentes, interrompe: a continuação do vínculo.
Este facto tornou possível que
D. Ana José Teixeira Brederode. filha do desembargador António Xavier de Morais
Teixeira Homem e de D. Mariana José Brederode, pedisse em 1813 ao rei D. João
VI, nessa época radicado no Brasil, que autorizasse a extinção do morgadio dos
Cremer no Juízo das Capelas da Coroa e lhe concedesse os bens que o integravam.
O pedido foi deferido, sendo passada carta de posse em 22 de Maio de 1817. A
Quinta do Peru encontrava-se limitada nessa época a casas grandes e pequenas
danificadas e desabitadas, pinhal, olival e charneca sem cultura e utilidade no
seio da qual havia algumas terras aforadas que consistiam, quase exclusivamente,
em courelas de vinha.
Os bens adquiridos por D. Ana
Teixeira de Brederode - que mais tarde passaram a incluir também a Quinta do
Zambujo - tornaram-se posteriormente pertença de Manuel Inácio de Sampaio Pina
Freire, Visconde da Lançada, membro do Conselho de Sua Majestade, por casamento
com D. Helena Teixeira Homem de Brederode.
Os terrenos aforados do Peru
eram constituídos nesta época, quase exclusivamente, por vinha. A sua extinção
pela idade e por abandono fez que a substituíssem por pinhal ou se deixasse
criar mato. Entretanto, estava-se a atravessar uma fase grave da vida do País,
que se caracterizava principalmente pela baixa das remunerações, falta de
trabalho e carestia e escassez de alimentos. Alguns foreiros procuraram
ultrapassar estas dificuldades desbravando as terras e tentando tirar delas o
máximo que era possível. Verificou-se, em breve, que os terrenos eram muito
férteis - por não serem há muito cultivados - e que, além disso, tinham água em
abundância e de fácil obtenção. Cremos que estes factos explicam as boas
culturas, em especial de trigo e melancia, que se obtiveram nesses terrenos até
aos anos trinta e, ainda, a fixação dos cultivadores no local, vivendo em casas
abarracadas que eles próprios construíram com adobes.
J. Rasteiro interessou-se
pelas ruínas do Palácio do Peru e referiu, no inicio deste século, alguns
achados que teve a oportunidade de encontrar:
1. Inscrição existente sobre a
porta principal da fachada leste: Ego Antonius Cremer plantavi, Apollo rigavit,
sed Deus lncrementum dedit;
2. Inscrição sobre uma porta,
pelo lado interior, numa grande lápide, por baixo de um nicho onde estava uma
grande estátua de madeira:
Em Hollanda me armei de
caçadora
e, vagando por bosques
dilatados
cheguei, de vários climas
vencedora,
à fermosa dilicia destes
prados,
aonde, da fragante e bella
flora
docemente bemquista nos
agrados,
faço, por circumstancias tao
discreta,
ociosa juntamente aljava e
seta.
3. Brasão existente sobre o
pórtico do palácio diferindo do que se encontra na Quinta da Conceição,
exclusivamente pela presença de uma fita com a legenda «Nunquam perfectum».
A história da Quinta do Peru,
a partir dos anos vinte pode sintetizar-se em breves palavras:
«Via-se, ali, ainda, um
edifício de certa opulência, tendo acesso por portões monumentais de grande
trabalho de cantaria. A propriedade tinha pertencido, durante muitos anos, a um
alemão que era negociante de vinhos em Lisboa. Mais tarde, os terrenos e o
edifício opulento foram vendidos a várias pessoas. A parte correspondente ao
edifício em ruínas coube a um indivíduo que vendeu quanta cantaria, pedra e
talha conseguiu arrancar. É por este facto que uma inscrição em pedra,
pertencente a Quinta do Peru, está ornamentando a varanda da Casa da Fonte de
Oleiros, pertencente à Quinta das Baldrucas. Outras edificações existentes a
norte do edifício em ruínas foram entretanto adquiridas por um outro comprador,
que delas fez uma habitação confortável que incluía celeiro e adega. Foi a
origem da loja ou taberna do Francisco».
Em 1941 os terrenos da Quinta
do Peru estavam em venda. Eram nessa altura, segundo as palavras da sua actual
possuidora D. Isabel Espírito Santo, umas terras incultas, revestidas por mato
espesso e abundante, com edificações em ruínas e algumas pedras antigas. O lugar
agradou-lhe bastante e a seu marido, o Dr. Manuel Espírito Santo, pelo que o
adquiriram. A acção dos novos proprietários na renovação e valorização da antiga
propriedade dos Cremer consistiu de início na aquisição das Quintas do Zambujo e
do Peru e, posteriormente, na reconstrução do palácio inacabado e em ruínas com
o seu acrescento e adaptação de uma linda capela que já possuíam; os azulejos de
que está revestida provieram de um pequeno templo pertencente a um antigo
palácio de Lisboa, situado próximo da actual Rua Joaquim Bonifácio.
A quinta foi-se expandindo,
mais tarde, com a aquisição da Ribeira da Torre, Quintinha, Falcão e numerosos
terrenos «encravados» que faziam parte dos já referidos «foros do Peru».
A propriedade compunha-se de
pinhal, sobral e vinha, pomar de pereiras, e dispunha ainda de uma exploração de
gado ovino bovino leiteiro.