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Ermida de Nossa Senhora de El Carmen

pelo Prof. José Cortez Pimentel

el-carmen em 2001

A Ermida de Nossa Senhora de El Carmen, que o vulgo conhece simplesmente por El Carmen, está situada na quebrada ocidental da serra da Arrábida, sobranceira ao vale da Vitória. Frei Agostinho de Santa Maria afirmou em 1721 que este Santuário foi mandado edificar por D. Madalena Giron, 2ª Duquesa de Aveiro, por volta de 1560 «em aquele sítio deserto», pela cordial e grande devoção que tinha pela Senhora do Carmo e para que «em tempo algum se duvidasse que a sua fundadora era espanhola».  

Nos anos 50

         As afirmações do autor do Santuário Mariano, reproduzidas desde então por outros historiógrafos, não correspondem, no entanto, totalmente à realidade, porque já tinha existido nesse local uma ermida denominada da Senhora do Carmo, a qual se tomou centro de romarias quando o 1º Duque de Aveiro, a pedido de Frei Martinho, a quem estes festejos perturbavam a sua austera reforma, conseguiu que os círios se dividissem por diferentes capelas, honrando assim Nossa Senhora não só na Igreja da Arrábida mas também nas Ermidas do Cabo Espichel e de Nossa Senhora do Carmo.

         A primitiva capela era, segundo uma descrição de 1553, «redonda e oitavada, sem fresta nem alpendre, tendo um tecto madeirado de castanho de olival, telhado de valado e arco cruzeiro redondo». Estava a cargo de um mordomo e as suas reparações faziam-se à custa das esmolas e da contribuição dos que trabalhavam por devoção.

A interferência da Duquesa D. Madalena de Giron na edificação da ermida consistiu, segundo cremos, na ampliação da capela e na construção de vastas instalações destinadas ao alojamento dos caçadores e suas montadas, por ocasião das caçadas na Serra da Arrábida e, ainda, às do ermitão e do capelão encarregados da sua conservação e funcionamento.

As edificações de El Carmen passaram a incluir, desde essa data, à esquerda a capela com alpendre e torre sineira; ao centro os acessos aos restantes compartimentos do edifício, de que fizeram parte, a partir de 1611, também, os alojamentos destinados aos romeiros, mandados construir pela Irmandade de Setúbal; e à direita as dependências utilizadas nas caçadas, as quais dispunham, em cima, de uma vasta sala e vários quartos e, no rés-do-chão, de uma ampla cavalariça com duas manjedouras feitas de cantaria, tendo cada uma 19,20 de comprimento.

A ermida é espaçosa, muito clara, tem púlpito e balaustrada de madeira e está dividida por um arco que, segundo Frei Agostinho de Santa Maria, ostentava as armas dos Duques de Aveiro. A Senhora de El Carmen ocupa um nicho no meio do retábulo da capela-mor que tem um só altar. É «uma imagem de roca e de vestidos ricos e tem uma proporção de pouco mais de quatro palmos». Aos lados há dois nichos: o da direita, onde esteve, até meados do século, a imagem da Mãe de Deus com o título de Nossa Senhora da Pinha e, no da esquerda, a do Menino Jesus. A imagem de Nossa Senhora da Pinha foi levada para a capela por altura de 1650 e o seu nome está ligado a uma lenda que diz que um homem ciumento, ao pretender matar a mulher com uma faca, foi impedido de o fazer com uma pinha arremessada por Nossa Senhora de uma árvore sob a qual se encontravam. O milagre foi perpetuado por uma imagem oferecida D. Maria de Faro, Duquesa do Cadaval, e é também recordada por um pinheiro existente junto da capela, conhecido por «Pinheiro da Pinha ou da Senhora», e ainda pelos vestígios (não de ruínas como se pensa) de uma ermida inacabada, da mesma invocação:

Pouco distante da ditta Irmida (ElCarmen) em hum pequeno cabeço que fica entre a mesma irmida e as paredes de huma Irmida principiada para Nossa Senhora da Pinha dicerão que naquelle cabeço devia-se cravar marco.

Foi costume, também, assinalarem-se os milagres atribuídos à Senhora de El Carmen, executando desenhos alusivos na parede da sacristia da ermida. O último que se rememorou e que ainda conhecemos referia-se a um caso evocado por António Santos e tinha a data de 1791.

Os Duques de Aveiro efectuaram, tal como já se referiu, frequentes caçadas nos terrenos da coutada da serra da Arrábida em que participavam também outros fidalgos de Azeitão e a familia Sousa da Quinta do Calhariz. A comitiva descansava e pernoitava nas magníficas acomodações de El Carmen e ouvia missa na ermida antes de iniciar as suas actividades de montaria.

Nos fins do século XVIII e princípios do passado viveu na capela de Nossa Senhora de El Carmen um ermitão a quem o povo das localidades vizinhas denominava o «monge de El Carmen». Era um excêntrico que se considerava profeta e em cujas predições alguns habitantes das aldeias ocidentais de Azeitão, ainda há cerca de 70 anos, acreditavam sinceramente a ponto de afirmarem com ênfase que «aconteceu precisamente o que ouvimos contar que ele profetizara».

el-carmen - 2001

A imagem da Senhora de El Carmen foi sempre venerada pelos povos da vizinhança que faziam bailes e representações no terreno junto à ermida. Parece, no entanto, não terem sido sempre «tão honestas como era razão que fossem» e o Cabido de Lisboa mandou afixar na porta da igreja, em 1714, uma pastoral com pena de excomunhão e suspensão dos festejos. Mais tarde os habitantes dos casais da Serra e das Pedreiras passaram a fazer anualmente duas festividades na Capela de El Carmen, uma na quinta-feira de Ascensão e outra durante o mês de julho. Contavam-se entre as manifestações deste último festejo uma missa cantada com sermão, um arraial, um bailarico animado pelo som da flauta e da guitarra e, ainda, um piquenique acompanhado do toque da gaita de foles e do rufar de um tamboril.

el-carmen - 2001

O panorama que se desfruta do terraço da capela ou das janelas da casa adjacente à capela é, como noutros pontos elevados da serra, deslumbrante:

Voltando-se o visitante para poente vê à sua esquerda uma porção de terreno menos acidentado a que dão o nome de «Vale da Vitória». porque, segundo diz a tradição, foi ali que Afonso Henriques desbaratou os mouros após a tomada de Sesimbra. Ao sul, limitando o horizonte, ficam as escarpas da serra do Risco. Na sua frente, lá muito em baixo, avista-se o majestoso Palácio de Calhariz e o lindo pinhal manso que fica próximo. Começando a inclinar os olhos para o lado direito avista-se Sant'Ana e Sampaio; continuando com a vista a procurar o rumo norte descobre-se primeiro a serra de Cintra e depois Lisboa, o Tejo e algumas povoações da margem esquerda d'esse rio. Que lindo panorama! Observado de manhã cedo, estando a atmosfera bem límpida, deleita e encanta o espírito!

A ermida passou mais tarde a fazer parte dos bens da Casa do infantado e, até há poucos anos, da Casa de Palmela, pelo que alguns aspectos da sua história serão recordados mais adiante.

 el-carmen - 2001


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