azeitao.net - Azeitão, uma região a descobrir

 
5/10/2002


azeitao.net

Aproveitamos este excelente artigo do Prof. Adelino Fortunato para exemplificar as arbitrariedades que estão sendo praticadas à décadas.

O marketing das empresas imobiliárias é, de facto, enganador e "incoerente". Usam e abusam da imagem do Parque, da história da região, dos "a poucos minutos" a que está de Lisboa  e de lindas "praias selvagens", ... enfim, os argumentos já escasseiam e a poética da propaganda já tem dificuldades de estilo!

Pode ler um artigo publicado em 2000 sobre o crescimento de/em Azeitão - LER

azeitao.net

 

 
 
Parque Natural em condomínio fechado

Adelino Fortunato

Li, recentemente, publicidade paga por uma imobiliária a promover a venda de moradias integradas num condomínio fechado «em pleno coração do Parque Natural» da Arrábida. Fiquei especialmente surpreendido com os termos desta campanha uma vez que inclui elementos profundamente contraditórios. Parece incoerente e, dir-se-ia, descabida de fundamento legal a ideia de construir e promover empreendimentos imobiliários em pleno Parque Natural, fazendo referências e apontando para pormenores de edificação absolutamente iguais aos de uma área urbana de uma qualquer grande cidade, numa zona que deveria estar à margem da especulação, ligada à preocupação de manter e preservar as características do seu «habitat» natural.

A lógica mental que preside à ideia de criar condomínios fechados em pleno coração da Serra da Arrábida é não apenas ridícula (se tivermos em conta que quem a frequenta deverá, pelo contrário, abrir-se ao esplendor da natureza envolvente e tirar partido da ausência de fronteiras de circulação) mas, sobretudo, um preocupante efeito perverso do actual esquema de classificação das áreas ambientalmente relevantes. Apoiando-se nas aspirações profundas das populações a um modelo de vida menos marcada pelos erros do processo de urbanização das grandes cidades que eles mesmos criaram e pela enorme popularidade da causa ambiental, os promotores imobiliários tentam construir nas zonas protegidas - e conseguem! - ou, quando confrontados com a impossibilidade legal e material de o fazerem, nas suas imediações, umbilicalmente ligadas a todo um mesmo ecossistema.

Neste quadro de análise, são tão importantes, em termos ambientais, as áreas directamente abrangidas pelo actual sistema de protecção como aquelas que, muitas vezes, são artificialmente destacadas (nomeadamente pelos Planos Directores Municipais) com o intuito de criar oportunidades para bons negócios privados que geram receitas para as Câmaras Municipais.

Despertado por estas e outras inquietações procurei conhecer as características do regime legal que regula a zona vulgarmente designada Parque Natural da Arrábida. Com o auxílio precioso e o justificado alarme de vários juristas bem informados descobri algo verdadeiramente insólito.

Em 1993, nos tempos da governação de Cavaco Silva, foi criado um novo regime de definição das áreas protegidas impondo a sua reclassificação e a elaboração do respectivo Plano de Ordenamento do Território, sob risco de perda do estatuto de zona classificada. A reclassificação do Parque Natural da Arrábida acabou por se efectuar em 1998, por intermédio de um diploma que apontava, também, para a obrigatoriedade de, no prazo máximo de três anos, se proceder à elaboração do referido Plano de Ordenamento do Território. Como, entretanto, este último não foi publicado até à data-limite de 2001, tudo se passa, neste momento, como se o denominado Parque Natural da Arrábida (e mais onze áreas classificadas, nas mesmas circunstâncias, em todo o país) não tivesse existência legal. Na realidade, não a tem.

As consequências de tão invulgar situação podem ser as mais diversas, a começar pelas indesejáveis oportunidades criadas para que quaisquer promotores aproveitem a situação de vazio legal, se implantem no terreno e constituam direitos adquiridos dificilmente anuláveis. Este processo, aliás, está em pleno desenvolvimento por diversas vias e obteve consagração no próprio PDM de Setúbal aprovado em 1998. Inexplicavelmente, sobretudo sem justificação ambientalmente aceitável, o referido documento destacou do «coração do Parque Natural» uma zona passível de ser urbanizada (precisamente aquela onde se localiza o empreendimento que deu azo a esta crónica).

Daqui resulta que a recente tentativa do Ministro das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente de promover a execução de cinco acções judiciais de demolição no Parque Natural da Arrábida é absurda, destituída de fundamento jurídico e reveladora de uma intenção claramente propagandística da acção governativa, uma vez que ignora o essencial dos actuais problemas com que se debate a Arrábida.

O mais importante é verificar que, durante mais de 26 anos, a indefinição e a falta de orientações transparentes para a gestão deste espaço (elas próprias consequências da falta de um Plano de Ordenamento do Território) criaram condicionalismos económicos, sociais e ambientais que têm de ser tidos em conta. Intervenções parcelares e destituídas de critérios gerais relacionados com o adequado ordenamento do território e com o desenvolvimento sustentável não produzem os tão ansiados efeitos de valorização do património ecológico e paisagístico. Em particular, isto significa que as populações directamente envolvidas num obrigatoriamente novo processo de elaboração do Plano de Ordenamento do Território têm uma importante palavra a dizer e que, nesse contexto, é necessário avaliar com isenção aquilo que é compatível com a defesa da Arrábida e aquilo que, pelo contrário, só serve para a destruir.

No primeiro caso estarão, certamente, determinadas formas de ocupação do território com vertente agrícola comprovada, que ajudam, inclusivamente, a defender e a preservar as características essenciais da área protegida. No segundo caso, sem qualquer dúvida, se colocam as situações cujo único e assumido objectivo é fazer condomínios fechados no Parque Natural - tratar-se-á, nestes termos, de evitar que a Arrábida se transforme num Parque Natural em condomínio fechado.

* Professor associado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra