Vila Nogueira de Azeitão

 

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 Vila Nogueira de Azeitão

 O  CONVENTO DE  SÃO  DOMINGOS  

He este Convento dos mais antigos da Província Dominicana, e he de Religiosos reformados, e este foi o terceiro, que neste  Reyno teve a Religião de S. Domingos

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 por Joaquim Oliveira

              Cronologicamente, não é o relato do Padre Luís Cardoso (Dicionário Geográfico da Torre do Tombo), o primeiro documento que se conhece sobre o Convento dos Dominicanos, em Vila Nogueira. Mas pelos pormenores nele descritos, que abrangem desde a intenção real de o instituir, até à sua efectiva constituição, merece ser a base de apoio para esta parte do trabalho.

De uma pequena publicação editada em 1747, com o extenso título "Breve Notícia das freguezias de S. Lourenço e de S. Simão, situadas no limite de Azeitão", extraímos esta parte do relato do Padre Luis Cardoso:  

           

            "(...) Neste limite de Azeitam junto ás faldas da Serra da Arrábida mas não longe da principal Aldea, chamada Aldea Nogueira, e defronte da Paroquia de S. Lourenço para a  parte Sul , está um Convento da Ordem de S. Domingos, o qual por especial  devoção de seus Fundadores, tem o título de Santa Maria da Piedade -

            - He este Convento dos mais antigos da Província Dominicana, e he de Religiosos reformados, e este foi o terceiro, que neste  Reyno teve a Religião de S. Domingos ; porque o primeiro foy o de benfica, e o segundo o da Villa de Aveiro : teve a sua origem no anno de 1435 no reynado dos Senhores Reys D. Duarte e D.ª Leonor sua mulher, os quaes sendo summamente devotos da Religião de S. Domingos, que neste tempo estava em Portugal envolto ainda nas mantilhas de sua infancia, desejosos de acrescentar á familia Dominicana mais uma casa de reforma ajudada e afervorada esta santa inclinação pelo padre Fr. João de Santo Estevão, Religioso Dominico, que então era Confessor da Rainha, pareceu aos Reys, que sítio mais proporcionado para a sua Casa, e mais conducente para o exercicio da Santa Vida, que aquelles Religiosos praticavão só era á serra de Azeitão, por ser terra sadia, agradavel, fertil, e de bons ares, affastada algum tanto do povoado, e não longe das pescarias de Setuval, e Cezimbra, commodidade precisa e necessaria para Religiosos a quem o peixe servia, como ainda hoje serve, de uzual sustento .

            Preocupado El-Rey com estes pensamentos que foram publicados pelos Lugares deste limite, o foi buscar no seu Palacio de Lisboa, hum honrado e rico homem desta terra chamado Estevão Esteves, e tinha o titulo de Vassalo del Rey (appelido que só se dava a homens de boa qualidade) e lhe disse que elle e sua mulher Maria Lourenço, por serviço de Deus Nosso senhor, honra de sua Mãy Santíssima, e do glorioso Patriarca S. Domingos, querião fazer doação aos religiosos , seus filhos, da melhor parte das suas fazendas, que era huma boa quinta, com pomares, hortas, boas aguas e o aposento capaz de se agasalharem  nelle desde logo. Poucos annos depois, desembaraçados do commercio do mundo, derão o restante de todas as mais fazendas, que possuião, aos Religiosos deste Convento, e Ás Religiosas do salvador de Lisboa (Primeiro Mosteiro De Freiras Dominicas reformadas desta Província) onde tomou habito e professou Maria Lourenço, fazendo o mesmo neste Convento Estevão Esteves, com notavel jubilo, e gozo dos Religiosos, vendo Noviço no Convento do mesmo Fundader delle - Aceitou El-Rey o offerecimento, e solemnizada esta doação com uma escritura authentica firmada, e approvada aos 15 do mez de Dezembro de 1434, cujo traslado se conserva no Cartorio do Convento; tomarão os Religiosos posse, e logo á custa da fazenda Real, se deu princípio á obra, ajudada tambem de esmolas, que a Rainha dava das suas rendas, e de outros particulares, e no anno seguinte de 1435 - aos 18 dias do mez de Dezembro, dia em que a Igreja Santa foi solemnissima a festa da Expectação do Parto da Virgem Senhora Nossa, se lançou a primeira pedra fundamental do edificio, vindo em procissão muitos Religiosos Dominicos, acompanhados de seus Fundadores , e outros muitos homens bons e honrados desta terra, desde a Paroquia de S. Lourenço, até o sitio em que está o Convento com muito apparato e solemnidade, praticando-se todas aquellas cerimonias Eclesiasticas, que se estylão em semelhante actos. Com ardentissimo zelo, e ferverosa devoção, ajudou El-Rey a obra de pedra , e cal deste edificio dande de mais algumas peças boas, e singulares para a sacristia, e para o Côro ; não obstante o ver-se atenuado com alguns infelices, e calamitosas perturbações, que teve no seu reynado. Alem de tudo, como Varão pio, Catholico e Religioso que era, impetrou do Summo Pontifice Martinho V deste nome que então occupava a cadeira de S. Pedro , huma indulgencia plenaria na hora da morte para todos os Religiosos, que vivessem e morressem neste Convento, a qual lhe applica o Prelado, quando leva ao moribundo o Sacramento da Extrema Unção.

            Ferido da peste que houve neste Reyno no anno de 1438 acabou seus dias o Senhor Rey D. Duarte aos 9 de Setembro do dito anno, na Villa de Thomar, para onde se havia retirado ..."

            Sobre a Igreja do Convento, diz o relato do Padre Luis Cardoso:

             "(...) A Igreja deste Convento he de uma só nave, e proporcionada grandeza ; tem onze Capellas, a maior serve de titulo, o mesmo o he do Convento, desempenhado com um retabolo e que occupa o ambito da tribuna, obra de primor, e antiga, e nelle está retratada huma Imagem de Maria Santíssima , na piedosa acção de receber nos braços o seu FIlho Unigenito, quem o desceram da Sagrada Cruz, estando no mesmo retabolo vivamente delineados todos os funebres apparatos daquella dolorosa tragedia.

            Junto á tribuna estão aos lados, em proporcionados nichos de entalhado, duas Imagens de fermosa grandeza, e primorosa escultura dos dous indivisos Irmãos, pays desta Sagrada Religião os Santos Patriarcas Francisco e Domingos, o primeiro no nicho da parte do Evangelho, o segundo no nicho da parte da Epístola.

            Segue-se contiguo á capela mayor o Coro, como he costume na Religião Dominicana  ; e logo ao longo delle duas Capellas Collateraes, a da parte do Evangelho he de Nossa Senhora do Rosario, a da parte da Epistola  he de São de São Gonçalo de Amarante. No cruzeiro  ha duas Capellas grandes, que lhe servem de remate, e da parte do Evangelho he do Espirito Santo, a da parte da Epistola he de Christo Crucificado.

            No corpo da Igreja estão por banda tres Capellas profundas, e interiores, a primeira da parte do Evangelho  he da Encarnação, a segunda he de Santo Antonio, a terceira é de S. Braz ; da parte da Epistola a primeira é  do  Arcanjo  S.  Miguel,  a  segunda  he  de  S.  Joseph,  a  terceira  he  de S. Domingos Soriano. De todas estas Imagens as mais notaveis, e fermosas, são, a de Nossa Senhora do Rosario, a de S. Miguel  ;  "(...) A imagem da de Nossa Senhora do Rosario não he imagem de roca ou de vestir; nem de entalhado, ou inteiriça, he sim de porçolana fina da Índia, a qual mandou para este Convento hum Religioso filho dele, que se achava naquele estado.

            Quando se colocou no Altar se embutirão e juntarão os muitos pedaços ou ladrilhos de que consta, com betume de pedra e cal com a devida proporção, de modo que está a Sagrada Imagem inamovivel.

            Tem esta Senhora na mão esquerda huma Imagem de seu Filho na limitida pequenez de hum menino tão extremamente bello, que arrebata com sua violência para a sua admiração com grande assombro, não sendo nada menor , o que causa o rosto da imagem da Senhora, porque álem de ser graciosissimo e uma recopilada cifra das mayores perfeições, se tem notado por repetidíssimas vezes, e com estranheza, que não está sempre com o mesmo colorido ; porque em humas occasiões se lhe vem as faces rubicundas com masgestosa moderação ; em outras com mayor extremo vivas, e encendidas, e em outras totalmente candidas e descoradas.

            A Imagem de S. Miguel he obra de todo o primor de escultura, e de muy avultada grandesa, como a hum agigantado corpo humano.

            Como Capitão que é de Deus , e invictíssimo debeador de Lucifer, e seus sequazes, na defesa do Altissimo, está no mesmo entalhado vestido de armas brancas com capacete na cabeça; tem o braço direito airosamente levantado, e na mão hum alfange, como de fogo, parecido áquelle com que lançou a serpente do Paraiso Terreal, e esta em acção generosa, e valente de descarregar o golpe sobre uma figura de dragão infernal, que tem supplantado de baixo do pé esquerdo; desta parte tem embraçado hum escudo, acautelada prevenção de quem peleja, e nele tem esculpidas as armas da Casa de Aveiro, com o que se comprova a fama que há de que os Duques mandarão vir de Castella esta Imagem juntamente com a do santo Christo dos Passoa, que se venera por um dos maiores assombros do Mundo na Igreja da Santa Casa da Misericordia deste limite. Na Igreja deste Convento fazem os Irmãos da dita Santa Casa deposito desta dolorosa, e sacratíssima Imagem nas terças feiras de cada Quaresma, para sahir della a costumada procissão de Passos no dia seguinte, piedosa acção que attrae muita parte das terras circunvisinhas, para venerarem esta portentosa Imagem, e acompanharem naquella sanguinolenta jornada ; o que tudo graciosamente acompanhanharão os Religiosos deste Convento, penhorados da grandíssima e imponderavel consolação espiritual, que lhes resulta do soberano deposito, que se lhe faz no seu Convento de tão inestimavel joya, e tão divino hospede ; emprestando para fazer mais devota esta procissão huma porção do sagrado Lenho da Cruz de Christo, que em huma caixa de prata dourada se conserva na Sacristia deste Convente, e lhe deu por prenda um Frey Duarte Sodré, que muito ajudou a fundação deste Convento com suas esmolas, e depois morreu Religioso professo filho delle.

 

            Na fabrica interior do Convento, não ha cousa digna de mayor nota; he de mediana grandeza, e tem em egual proporção todas as officinas conducentes para o commodo religioso, sem excesso, nem imperfeição. Sustenta trinta e cinco até quarenta Religiosos, para o que tem bastantes rendas, que lhe deixarão seus Fundadores, e outras pessoas devotas ..."    

             

            Entre as "outra pessoas devotas" contaram-se, para além do já citado Rei Dom Duarte, seu filho e neto, conforme consta no Relato:

             "(...)guio o espirito de tão bom pay,  seu  filho o Senhor Rey Dom Affonso V, e tanto que empunhou o Sceptro, mostrando-se particularmente devoto deste Convento, o honrava muitas vezes com sua presença, e quantiosas esmolas, entre outras, lhe fez mercê de tres moyos de trigo de renda perpetua, e dez tostões em dinheiro para o carreto, o que tudo então se pagava nos fornos de Palhaes, e hoje nas jugadas de Santarem ..."         

           

            Conforme se verifica, o Convento foi implantado "frente à Igreja". Todavia, a sua cerca delimitava amplos e bons terrenos, ao ponto dos Religiosos terem podido aforar parcelas importantes, como aquela em que foi construído o Palácio e implantada a quinta dos Duques de Aveiro .

            Na realidade, os terrenos doados por Estevão Esteves eram - como já foi dito  no capítulo que trata da colónia agrícola romana - uma das duas parcelas em que essa colónia se repartiu, tendo ficado primitivamente, na posse de Lourenço Dinis Nogueira. Mais tarde, em 1430, os herdeiroas da mulher deste importante fidalgo, venderam metade da parcela a Estevão Esteves. A outra, lembra-se, viria a resultar na Quinta da Nogueira.

 

            Para compreender melhor, as razões que levaram os doadores a se despojarem de tão importantes bens, a favor de Congregações Religiosas, será pertinente revelar um episódio que ilustra bem o grau de excesso de zelo religioso do doador :

            Sendo dono da Ayana, grande propriedade no Termo de Sesimbra, e morando em Vila Nogueira, tão zeloso era dos interesses religiosos, que tinha o cuidado de mandar indagar se os pescadores de Sesimbra recolhiam as redes depois das Avé-Marias dos sábados. Dando conta que de facto tal acontecia, mandou multar e excumungar os armadores e pescadores, valendo-se da sua qualidade de Vereador da Câmara de Sesimbra. Aliás, nesta Câmara, executou o excelente trabalho de traduzir do latim os Arquivos Municipais.

            Conta o Professor Oliveira Parreira a respeito deste episódio:

             - "(...) Sobre isto teve uma grande questão com os armadores, em que interveio a Ordem de Santiago. É notável essa pendência, porque os pescadores resistiram à excumunhão e só cederam quando lhes tiraram as barcas . E acrescenta ; ... O misticismo  exaltado levou-o a separar-se da mulher e a tomarem ambos o hábito  ... Ele professou em Azeitão, a mulher no Convento do Salvador ... "     

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