Paleolítico médio em Galapos (Arrábida)
M. T. Antunes; J. L. Cardoso; J. C.
Kullberg & P. Legoinha
Resumo
Palavras chave: artefactos
líticos; Paleolítico médio; Arrábida; Portugal.
Descrevem-se artefactos líticos,
de quartzo (e sílex) recolhidos em Galapos (Creiro), na vertente
meridional da Serra da Arrábida. São característicos
do Paleolítico médio (Mustierense) e reforçam a evidência
da importante ocupação humana da região, já
salientada pelo estudo da Gruta da Figueira Brava.
Résumé
Mots-clés: instruments líthiques;
Paléolithique moyen; Arrábida; Portugal.
On décrit des instruments
en quartz (et silex) récoltés à Galapos (Creiro),
sur le versant Sud de la Serra da Arrábida, Portugal. Les pièces
en cause sont caractéristiques du Paléolithique moyen (Moustiérien).
Ce nouveau site renforce l'idée de l'importance de l'occupation
humaine de la région à l'époque, déjà
mise en evidence par l'étude de la grotte de Figueira Brava.
Abstract
Key-words: lithic instruments; Midlle
Paleolithic; Arrábida; Portugal.
Quartz (and silex) lithic
instruments collected at Galapos (Creiro), in the southern part of the
Serra da Arrábida, Portugal, are described. These artifacts are
characteristic of the Midlle Paleolithic (Mousterian). This new locality
reinforces the evidences for an important human occupation of this region
at those times, as previously shown by the study of the Figueira Brava
cave.
A descoberta e exploração
de uma importante jazida do Paleolítico médio nas imediações
do Portinho da Arrábida, a Gruta da Figueira Brava, evidenciou a
importância da ocupação humana da região, naqueles
tempos. Antes apenas uma pálida ideia era dada pela Lapa de Santa
Margarida, de onde provém escassíssimo material lítico (BREUIL &
ZBYSZEWSKI, 1945).
Seria de esperar que outros locais revelassem
vestígios de ocupação humana paleolítica. Assim
sucedeu na trincheira da estrada EN 379-1, ao Km 24,5, onde um de nós (M.T.A.) encontrou peças de quartzo e sí1ex, aparentemente
comparáveis ás da Figueira Brava. A analogia, contudo, não
se mantém quanto a espólio paleontológico, já
que nem apareceram macrorrestos, nem as lavagens de sedimentos deram microfauna.
Dado o interesse da ocorrência, que
amplia espacialmente os elementos fornecidos pela Figueira Brava, entendemos
convir apresentar alguns informes quanto à jazida e seu espólio,
no seu contexto geológico.
A nova jazida situa-se na área de
Galapos, no flanco Sul da Cadeia da Arrábida. Esta, que se admite
ter adquirido no Miocénico as características estruturais
que conhecemos, é dominada por acidentes cavalgantes com direcção
predominante ENE-WSW e rampas laterais, com movimento esquerdo, orientadas
N-S e NNE-SSW.
Os depósitos com material lítico
preenchem uma fractura erodida, com direcção N40°W;75°NE
(fig.1), secundária em relação
às direcções principais; esta fractura afecta siltes
e biocalcarenitos miocénicos (unidades c e d segundo
J. PAIS et al, 1991). Não há evidência de movimentação
pós-deposicional.
Os sedimentos que forneceram materiais
líticos são depósitos de vertente continentais, heterogéneos,
com elementos quartzosos e blocos de biocalcarenitos miocénicos
com dimensões que podem atingir 50 cm (fig.2).
A matriz é arenosa fina ou siltosa, avermelhada, o que indica carsificação.
O material lítico foi encontrado
in situ. A posição no seio do depósito mostra
que terá escorregado ao longo da vertente. Contudo, a frescura das
arestas, a presença de esquírolas de talhe e a concentração
de peças mostram que o local de fabrico se situava na proximidade
imediata, talvez na pequena plataforma logo acima. Em vinte e um
exemplares estudados, vinte são de quartzo filoniano, de seixos;
apenas um é de silex.
INVENTÁRIO
- núcleo discoide com preparação
parcial. Anverso ocupado por negativo de lasca. Exceptuada parte do bordo,
o reverso corresponde à superfície primitiva (fig.3).
- três núcleos poliédricos,
um dos quais de tendência prismática .
- denticulado sobre lasca com superfície
primitiva conservada na base (fig.4).
Alguns dos elementos restantes são
artefactos de ocasião. Trata-se de lascas em bruto, uma das quais
em sílex (fig.5). Há esquirolas residuais.
TIPOLOGIA
O conjunto é homogéneo. Abundam
as lascas em bruto, associadas a núcleos discóides e a
denticulados.
É evidente a estreita semelhança, senão a identidade,
com o conjunto, muito mais numeroso, da Figueira Brava. Tal como nesta
jazida, pequenos seixos de quartzo constituiram a principal matéria
prima.
O predomínio de lascas em bruto
terá a ver com:
- a má qualidade da matéria
prima (quartzo), impeditiva da confecção de instrumentos
mais elaborados, ou tipologicamente melhor definidos.
- a abundância local de seixos de quartzo
o que permitiria o desperdício e dispensaria a produção
de peças mais aperfeiçoadas ou duradouras.
Uma lasca em bruto tem fio mais cortante
do que gumes mais elaborados, estes com a vantagem da maior durabilidade.
Porém, no caso, a durabilidade não era problema em face da
abundância de quartzo, cuja dificuldade de talhe desencorajaria,
além disso, as tentativas de maior aperfeiçoamento.
Trata-se, pois, de artefactos de ocasião,
fabricados quando necessário e durante período bastante breve,
tal como na Figueira Brava. Atesta-o a monotonia do espectro técnico-tipológico.
O conjunto, com peças denticuladas,
indica o Paleolítico médio (Mustierense).
CONSIDERAÇÕES COMPLEMENTARES
Só há pouco foram encontrados
materiais líticos do Paleolítico médio na região
- na gruta da Figueira Brava.
A recolha de outro conjunto em plena encosta
meridional da Arrábida foi possível graças à
exposição dos depósitos de onde provêm na trincheira
da estrada EN 379-1. A descoberta de outras ocorrências terá
sido inibida pelo denso coberto vegetal, mas é uma possibilidade
em aberto. Os recursos, em particular os recursos faunísticos, da
Serra (com realce para cabra-montês), bem como os da planície
costeira existente no tempo, e do litoral próximo, decerto constituiam
forte atractivo para a fixação humana. O homem tinha, assim,
oportunidade de explorar biótopos diferenciados.
BIBLIOGRAFIA
ANTUNES, M. T. (1992) - O Homem da Gruta
da Figueira Brava (ca 30000 BP). Contexto ecológico, alimentação,
canibalismo. Mem. Acad. Ciências de Lisboa, Classe de
Ciências, t. XXI (1990-1991), pp. 487-536, 6fig., 3 est.
BREUIL, H. & ZBYSZEWSKI, G. (1945)
- Contribution à étude des industries paléolithiques
du Portugal et de leurs rapports avec la géologie du Quaternaire
/ Les principaux gisements des plages quaternaires du littoral d'Estremadura
et des terrasses fluviales de la basse vallée du Tage. vol.II. Comunicações
dos Serviços Geológicos de Portugal, t. XXVI, 678 p.
PAIS, J., LEGOINHA, P. & KULLBERG,
J. C. (1991) - Novos elementos acerca do Neogénico do Portinho da
Arrábida (Serra da Arrábida); III Congresso Nacional de
Geologia, Coimbra. [abstract]
LEGENDA
Fig. 1 - Aspecto
da trincheira da estrada EN 379-1, Km24,5. Observa-se (a tracejado) fractura
N40°W;75°NE com preenchimento cársico,
por (1) depósitos de vertente, nos quais foram recolhidos artefactos
líticos. A fractura afecta o Miocénico constituído
por (2) conjunto siltoso e (3) conjunto biocalcarenítico (unidades
c e d de J.Pais et al. 1991).
Fig. 2 - Pormenor
dos depósitos de vertente, continentais, heterogéneos, com
elementos quartzosos e blocos com dimensões que podem atingir 50cm.
Fig. 3 - Núcleo
discóide com preparação parcial (quartzo).
Fig. 4 - Denticulado
sobre lasca de sílex (quartzo).
Fig. 5 - Lasca, em
bruto, de sílex.
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