Poeta de Azeitão e Arrábida!
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Poemas |
Viesses tu, Poesia Poesia depois da chuva A uma rapariga Largo do Espírito Santo 2, 2º O Sonho Inscrição Relatório 2 Sem título Madrigal Sem título 2 ABC Cantilena Soneto de António O Menino Grande Pequeno Poema Florbela Poema da minha Esperança Nasci pra ser... Do programa "À ESQUINA DO MUNDO", RDP, António Cardoso Pinto seleccionou e leu alguns poemas de Sebastião da Gama, do livro Pelo Sonho é que Vamos: U “Poesia depois da chuva” / “Viesses tu, Poesia” / “Imagem” / “O Sonho” / “Madrigal a uma estrela” |
Nada sabe do Mar quem não morreu no Mar. Calem-se os poetas e digam só metade os que andam sobre as ondas suspensos por um fio.
Sabe tudo do Mar quem no Mar perdeu tudo. Mas dorme lá no fundo, tem os lábios selados, e os olhos, reflectem e claramente explicam os mistérios do Mar, para sempre fechados.
Relatório 2. Ó glória de saber que o Mar termina onde a minha coragem se acabar, a ti dou quanto é meu! Glória de por meus nervos garantir o direito de escarnecer da Morte quando a Morte julgar que me venceu!
Nasci p'ra ser ignorante Mas os parentes teimaram (e dali não arrancaram) em fazer de mim estudante.
Que remédio? Obedeci. Há já três lustros que estudo. Aprender, aprendi tudo, mas tudo desaprendi.
Perdi o nome às Estrelas, aos nossos rios e aos de fora. Confundo fauna com flora. Atrapalham-me as parcelas.
Mas passo dias inteiros a ver um rio passar. Com aves e ondas do Mar tenho amores verdadeiros.
Rebrilha sempre uma Estrela por sobre o meu parapeito; pois não sou eu que me deito sem ter falado com ela.
Conheço mais de mil flores. Elas conhecem-me a mim. Só não sei como em latim as crismaram os doutores.
No entanto sou promovido, mal haja lugar aberto, a mestre: julgam-me esperto, inteligente e sabido.
O pior é se um director espreita p'la fechadura: lá se vai licenciatura se ouve as lições do doutor.
Lá se vai o ordenado de tuta e meia por mês, Lá fico eu de uma vez um Poeta desempregado.
Se me não lograr o fado, porém, com tais directores, e de rios, aves e flores somente for vigiado.
Enquanto as aulas correrem não sentirei calafrios, que flores, aves e rios ignorante é que me querem.
Madrigal A minha história é simples. A tua, meu Amor, é bem mais simples ainda:
"Era uma vez uma flor. Nasceu à beira de um Poeta..."
Vês como é simples e linda?
(O resto conto depois; mas tão a sós, tão de manso que só escutemos os dois).
Da minha janela vê-se a Poesia.
Não te digo, não, se é bonita ou feia, se é azul ou branca, nem que formas tem.
Queres conhecê-la? Deixa o teu bordado, vem para o meu lado, que já podes vê-la com teus próprios olhos.
Da minha janela vê-se a Poesia...
Outro que te diga se é bonita ou feia.
"Quantas horas perdi foi por ti que as perdi."
Vai o meu coração repetiu a lição:
- "Quantas horas perdi foi por ti que as ganhei..."
Cantilena Cortaram as asas ao rouxinol Rouxinol sem asas não pode voar.
Quebraram-te o bico, rouxinol! Rouxinol sem bico não pode cantar.
Que ao menos a Noite ninguém, rouxinol!, ta queira roubar. Rouxinol sem Noite não pode viver.
António! dorme... Já se acabou a tosse. Não mais ocultarás os teus soluços, quando passarem rapazes com os lábios vermelhos e saudáveis.
Dorme... Carlota vela à tua cabeceira. ("Ia tão seco o meu querido Menino!... Mas toda a gente agora fala dele; que foi um grande Poeta ou lá o que é").
Ouve António: sempre é verdade a Lua Nova? E os Anjinhos? E a tua Nossa Senhora linda?
- Diz-me que sim, mesmo se for mentira... Eu acredito, eu acredito, António!, e é por isso que vou vivendo ainda.
Também eu, também eu. joguei às escondidas, fiz baloiços, tive bolas, berlindes, papagaios, automóveis de corda, cavalinhos...
Depois cresci, tornei-me do tamanho que hoje tenho; os brinquedos perdi-os, os meus bibes deixaram de servir-me. Mas nem tudo se foi: ficou-me, dos tempos de menino esta alegria ingénua perante as coisas novas e esta vontade de brincar.
Vida!, não me venhas roubar o meu tesoiro: não te importes que eu ria, que eu salte como dantes. E se eu riscar os muros ou quebrar algum vidro ralha, ralha comigo, mas de manso...
(Eu tinha um bibe azul... Tinha berlindes, tinha bolas, cavalos, papagaios... A minha Mãe ralhava assim como quem beija... E quantas vezes eu, só pra ouvi-la ralhar, parti os vidros da janela e desenhei bonecos na parede...)
Vida!, ralha também, ralha, se eu te fizer maldades, mas de manso, como se fosse ainda a minha Mãe...
Quando eu nasci, ficou tudo como estava.
Nem homens cortaram veias, nem o Sol escureceu nem houve estrelas a mais... Somente, esquecida das dores, a minha Mãe sorriu e agradeceu.
Quando eu nasci, não houve nada de novo senão eu. As nuvens não se espantaram, não enlouqueceu ninguém...
para que o dia fosse enorme, bastava toda a ternura que olhava nos olhos de minha mãe.
Florbela (em sua memória) Sou eu, Florbela! Aquele que buscaste. Falam de mim Teus versos de Menina. Tua boca p'ra mim se abriu, divina, mas foi só o Luar que Tu beijaste.
Hás-de voltar, Florbela!… Em débil haste, por entre os trigos cresce, purpurina, a mais fresca papoila da campina que, só por me veres, não cortaste.
Eu tenho três mil anos: sou Poeta. Surgi dos lábios secos dum asceta, de uma oração que Deus deixou de parte.
Redimi tantos corpos, tantas vidas neles vivi, que sinto já nascidas asas com que subir para alcançar-Te (…) Arrábida, 6-11-1943 («Revista Alentejana»)
Que bom ter o relógio adiantado!...
O meu sorriso de troça,
Tic-tac... Tic-tac...
Tic-tac...
Serra-Mãe (1945)
Nasci para ser ignorante
Que remédio? Obedeci.
Perdi o nome às Estrelas,
Mas passo dias inteiros
Rebrilha sempre uma Estrela
Conheço mais de mil flores.
No entanto sou promovido,
O pior é se um director
Lá se vai o ordenado
Se me não lograr o fado
enquanto as aulas correrem
Cabo da Boa Esperança, 2ª Ed.(1959)
O Sol já se escondeu...
Agora quero acabar,
Serra-mãe, 2ªEd. (1957)
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