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Uma região a descobrir!

 

in Revista de Vinhos, nº 163, Junho de 2003

  

Azeitão, terra de queijo e de vinho
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O queijo de Azeitão é conhecido e apreciado desde há muito. Feito com técnicas idênticas ao queijo da Serra, o Azeitão é hoje um dos vértices do triângulo dos queijos amanteigados de ovelha, juntamente com o Serra e Serpa. Mas...como é que liga o Azeitão com o vinho, não menos famoso, que se faz na região?
 

A ligação entre o queijo e o vinho é um tema polémico mas ao qual vale a pena voltar de tempos a tempos. Portugal é rico em variedades de queijo e, em virtude desse facto, é sempre redutor transformar a ligação queijo/vinho numa relação unívoca do tipo: queijo é com tinto e ponto final! Apesar de não ser fácil encontrar parceiros dispostos a tentar contrariar aquela tese, é sempre útil pôr algumas ideias feitas em cheque.
Quase sempre as surpresas são compensadoras.
Ao contrário de outros queijos, nomeadamente o Serra e o Serpa, o Azeitão come-se essencialmente quando a pasta está mole. O queijo seco de Azeitão existe mas não circula no mercado e poucos serão aqueles que já o terão provado. Desta forma a época do Azeitão inicia-se pelo mês de Outubro e estende-se até Junho. A produção anual depende do clima, nomeadamente das chuvas, uma vez que a existência de prados para as ovelhas é determinante para a abundância de queijo.

Mas voltemos ao tipo de queijo mais característico nesta zona: trata-se de um queijo de pasta mole mas que, ao contrário do que se possa pensar, não deverá - para corresponder ao que está definido legalmente - entornar quando se abre o queijo mas antes fazer uma barriga. Este pequeno detalhe indica-nos de imediato que há muito queijo no mercado que não corresponde exactamente a este tipo que a Denominação de Origem Protegida (DOP) define. Ora, se o queijo é essencialmente de pasta mole, o tipo de vinho que melhor lhe vai como companhia, não tem grandes variações; não será preciso escolher um vinho para o queijo seco e outro para o queijo de pasta mole.


A associação com o tinto

A ligação do queijo com o tinto é quase uma evidência para toda a gente mas carece de bases científicas e de provas "no terreno" que demonstrem que isso é mesmo verdade.
De facto, o queijo de pasta mole faz acentuar o carácter tânico dos vinhos tintos e a untuosidade do queijo "mata" a estrutura do vinho que, não raras vezes, adquire um desagradável gosto metálico. Esta associação queijo/vinho é ainda mais difícil e variável do que a associação do vinho com outros petiscos, uma vez que a variação do tipo de queijos é imensa e, quase nos arriscaríamos a dizer, não há dois queijos iguais. E, tal como não existe "um" vinho do Douro ou "um" Alentejo, também não existe "um" queijo da Serra ou de Azeitão. Mesmo num só produtor é normal encontrarem-se diferenças de acordo com o clima e as pastagens que, como se sabe, têm grandes variações anuais.

Já não é a primeira vez que a Revista de Vinhos organiza um painel de associação de vinho com queijo; já nos detivemos por duas vezes neste assunto mas esta prova que agora levámos a efeito teve uma particularidade: o queijo em causa era unicamente de Azeitão e os vinhos eram igualmente da região. Procurámos desta forma detectar algumas ligações privilegiadas entre dois produtos da mesma zona. Sabe-se que muitas vezes existe uma complementaridade que nem sempre é fácil de explicar entre produtos da mesma zona: é o caso do queijo parmesão e o aceto balsâmico (quando autêntico...), o vinho da Madeira e o bolo de mel, a chanfana e o vinho Bairrada, só para citar alguns exemplos.


Uma prova conclusiva

Para fazer o teste ao queijo de Azeitão - usámos um queijo da Quinta de Camarate, da firma José Maria da Fonseca - escolhemos quatro vinhos brancos e três tintos mas um dos tintos não estava em condições e assim ficámos reduzidos a dois vinhos tintos. O painel, além da redacção da Revista de Vinhos incluía também o jornalista David Lopes Ramos, do jornal Público.
As conclusões a que chegámos foram as seguintes:


1. Com o branco Serras de Azeitão 2001, da firma J. P. Vinhos, feito de Fernão Pires e Moscatel: o vinho é muito aromático (a moscatel) mas revelou-se fraco com o queijo, perde claramente e o queijo salta por cima do vinho.
O floral da casta moscatel liga mal com o queijo.


2. Com o branco Pasmados 2000, da casa J. M. da Fonseca, feito com Arinto, Viosinho e Esgana Cão, parcialmente fermentado em madeira: é um passo em frente, o vinho tem um pouco mais de gordura e, embora equilibrado, não consegue aguentar o queijo, sendo ultrapassado por este.


3. Com o branco Adega de Pegões Colh. Selecc. 2001, da Cooperativa de Pegões, feito de Arinto, Chardonnay e Pinot Blanc: o vinho apresentou-se pouco aromático mas com boa acidez e com um final tostado. Liga bem com queijo, fica envolvente e equilibrado.


4. Com o branco Cova da Ursa 2000, da firma J. P. Vinhos: este branco de Chardonnay fermentado em madeira tem muitas notas tostadas, é um vinho cheio, aparentemente com menos acidez que o branco de Pegões. Resulta muito bem com o queijo porque há um equilíbrio quase perfeito entre as diferentes estruturas em confronto.


5. Com o tinto TE Garrafeira 1999, da casa J. M. da Fonseca, feito de Cabernet Sauvignon e Castelão: inicialmente com aromas muito presos e mesmo pouco agradáveis, explodiu de aromas depois de decantado o que sugere que terá obrigatoriamente que ser passado para um decantador. Embora com taninos e acidez quanto baste, o vinho tem já a idade suficiente para que o confronto com o queijo resulte bastante equilibrado. É por isso uma boa aposta para os que preferem o tinto em vez do branco.


6. Com o tinto Leo d´Honor Garrafeira 1999, de Ermelinda Freitas, feito de Castelão: trata-se de um vinho de enorme concentração, com a madeira muito presente e que tem estrutura suficiente para viver muitos anos em garrafa. Toda esta força é demasiada para o queijo e o vinho salta claramente por cima do queijo. Quer isto dizer que vai ser preciso esperar mais alguns anos para que o vinho se "democratize" em garrafa e ganhe os contornos de equilíbrio que então poderão ligar bem com o Azeitão.


Algumas sugestões para melhor ligar o vinho com o queijo

1. Não abuse de muitos tipos diferentes de queijo.

Uma tábua de queijos pode ser uma enorme confusão se o anfitrião, à força de querer agradar, coloca queijos em demasia e de tipos muito diferentes na mesa. Embora os olhos também comam, pense mais na funcionalidade e menos na estética.
Se colocar dois queijos que se ligam bem com o vinho, o resultado é muito mais satisfatório.


2. Procure mudar de registo (se conseguir...)

Se lhe faz confusão voltar ao branco, no final da refeição, para acompanhar o queijo, então a melhor solução é escolher queijos que liguem bem com Vinho do Porto, preferencialmente um Late Bottled Vintage (LBV).
Estão neste caso os chamados queijos azuis, de que os melhores exemplos são o Stilton (em 1º lugar) e os clássicos franceses: Roquefort, bleu d´Auvergne, fourme d´Ambert (este também com um Porto Tawny) e fourme de Montbrison.
Se não tem problemas desses, não hesite em regressar a um branco especialmente escolhido para acompanhar o queijo.


3. Escolha o pão com critério

O pão é o melhor acompanhamento do queijo mas...que pão escolher?
Este aspecto é muitas vezes descurado pelos apreciadores. Uns porque gostam de pão alentejano, outros porque gostam de broa de Avintes, o que é certo é que nem sempre há o cuidado em escolher um pão com critério.
O cesto de pão deverá sempre conter variedades neutras, o chamado "pão branco", que é aquele que menos interfere com o gosto do queijo e permite que este brilhe por si só. Um pão de nozes, brioche com cerejas pretas ou outro deste género ligará na perfeição se o vinho for um Porto LBV. Os queijos mais gordos beneficiam com um pão rústico tostado que "corta" a gordura e facilita o acordo com o vinho.
Pode também esquecer a manteiga, que acaba por acentuar o carácter gordo do queijo sem trazer qualquer contribuição para a apreciação deste.


4. E por fim...

Se puder e tiver acesso a eles, consuma de preferência queijos artesanais em perfeito estado de maturação, em boa verdade os únicos que podem expressar na perfeição as características do terroir de onde são originários, sem os "desvios" motivados pelo sal excessivo e as notas amargas.
Não coma, por norma, a casca do queijo. Se uns há que podem ser consumidos, há outros - como alguns de Castelo Branco - que conferem notas amargas à prova.
O queijo aprecia sobretudo os vinhos bem amadurecidos e em que o gosto da madeira não seja muito pronunciado.



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