ESBOÇO HISTÓRICO
Na Bíblia menciona-se pela primeira vez a videira: «Noé plantou a vinha
e tendo bebido do seu vinho, embriagou-se». As alusões que a ela se fazem,
tanto no Antigo como no Novo Testamento, são numerosas.
A história da vinha encontra-se ligada desde a mais remota
antiguidade à da mitologia oriental, especialmente à de Baco,
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Baco
Quadro de Caravaggio
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que,
a partir da Ásia, irradiou-se para o Egipto, Tracia (hoje, sul da Bulgária) e países
mediterrânicos.
A adoração de Baco pelos iniciados ia além da simples veneração
devida ao criador e protector da videira. Na sua concepção inicial,
Baco apareceu como uma espécie de divindade suprema.
Porém, logo que se descobriu o seu carácter, o seu culto
desenvolveu-se para todo o seu lado mundano:
a celebração da vinha e do vinho.
Em Atenas dedicaram-lhe
festas especiais. Procissões e espectáculos dramáticos tomavam um dia por ano
totalmente dedicado a Baco.
Quanto aos Bacanais, estes nasceram provavelmente no Egipto,
de onde passaram para a Grécia e mais tarde para Roma com um inusitado
caracter de orgia, a tal ponto que os poderes públicos decretaram
a sua suspensão em 186 a.C.
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Os Bêbados ou Festejando o S. Martinho
Quadro do grande artista José Malhoa,
depositado no Museu José Malhoa - Caldas
da Rainha - Portugal
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A dedicação da vinha a uma divindade, a importância que se lhe dá nas
escrituras bíblicas assim como o prestigio do vinho, presente em
tantas cerimónias religiosas e profanas, levou ao desenvolvimento
de uma iconografia riquíssima e de grande valor documental.
Nos baixos-relevos assírios, nas pinturas funerárias egípcias e nas
as tábuas achadas em Cartago, Tuniz e Marrocos,
encontram-se referências à videira e ao vinho. Os achados, tanto em
terra como no fundo dos mares, de numerosíssimos vestígios,
são testemunhos a que se somam às infinitas provas
que enchem os museus, palácios, templos antigos,
catedrais, mosteiros e castelos.
O vinho ocupa um posto de honra na literatura de todos os tempos. Homero já citava, séculos
antes de Jesus Cristo, alguns vinhos de renome na antiga Grécia. Dá detalhes referentes
até à maneira de beber. A lista dos poetas que no decorrer dos séculos se inspiraram no vinho e,
como Virgílio, contribuíram para a sua história, é interminável.
Encontramos informações preciosas e completas em verdadeiros tratados de agricultura em que
se descrevem todas as práticas vinícolas que se realizam hoje em dia: saibra, plantação, adubação,
enxertos, poda, etc., assim como a vinificação.
Graças a certos autores como o poeta Hesíodo, os historiadores Herodoto e Jenofonte e o geógrafo Estrabão,
conhecemos exactamente como estiveram repartidos os vinhedos na Antiguidade. Na Ásia
prosperavam
sobre as margens do golfo Pérsico, na Babilónia, na Assíria, no litoral dos mares Cáspio, Negro e Egeu,
na Síria e na Fenícia. Palestina, pátria da fabulosa descendência de Canaã, possuía uma gama de vinhos de grande
reputação que provinham de plantas seleccionadas e cultivadas com esmero segundo os métodos que
havia estabelecido a lei hebraica.
A viticultura, já florescente no Egipto e Assis, estendeu-se rapidamente à Europa. Instalou-se primeiro na Grécia,
em cujas ilhas emergem do mar as admiráveis ruínas de um imenso pórtico, vestígio do templo de Baco.
Os vinhos que se produziam nestas regiões eram levados em navios aos portos mediterrâneos,
especialmente a Roma onde os vinhos gregos, que gozaram de um renome
inigualado durante muito tempo, alcançavam às vezes preços exorbitantes.
Grandes consumidoras de vinhos, estas antigas gerações caiam frequentemente
no excesso.
Como exemplo, temos as célebres orgias de Nero, Caracala e Tibério, entre outros. Em Roma, o vinho foi
objecto de proibição para as mulheres. Como no Egipto, como atestam alguns baixos-relevos,
estas faziam dele um uso imoderado.
Seguindo os passos dos exércitos romanos, a vinicultura penetrou na Galia e atravessou o Ródão até Lyon,
alcançou a Borgonha, passando por Helvécia. Quando caiu no gosto dos gauleses e germânicos
o seu consumo generalizou-se. Ao longo do tempo, a vinha chegou até Bordéus. Já no século III,
o vinhedo ocupava na Europa as mesmas regiões dos tempos actuais, incluídos os países do Danúbio,
graças sobretudo ao imperador Marco Aurélio, que quando as contingências da
guerra o permitiam, transformava suas legiões de guerreiros em pacíficos viticultores.
Roma no podia deixar de sofrer as consequências desta expansão.
A superprodução de vinhos na península e a concorrência dos vinhos do Império provocaram
uma vertiginosa queda de preços. O marasmo que isso originou levou a que o imperador
Domiciano ordenasse o arranque das vinhas nas comarcas
que produziam vinhos medíocres.
Apesar destas vicissitudes e destas crises, a viticultura progredia à sombra da paz romana.
Não sofreu muito com a queda do Império nem com o turvo período que se seguiu.
A Igreja também tomou a si as artes da viticultura. O bispo, dono da cidade, converteu-se em viticultor. E não era somente para assegurar a produção do vinho necessário para abastecer a
povoação, mas também de suprir o necessário para presentear e honrar os monarcas e altas personagens
que passavam pela cidade. Antes de tudo, e sobretudo, era necessário alimentar o tesouro episcopal.
Esta viticultura secular, florescente no transcurso da Idade Média, desdobrou-se para dar lugar
a uma viticultura monástica. As abadias serviam de estalagens e ficavam ao longo dos grandes itinerários,
para oferecer refúgio ao caminhante. Acolhiam igualmente os grandes e poderosos - que por sua vez se mostravam
pródigos - e os pobres e os peregrinos. Como os próprios monges, todos estes viajantes apreciavam o vinho.
Os reis, duques e senhores feudais não tardaram em seguir o exemplo dos religiosos e dos príncipes da Igreja.
A vinha juntou-se ao castelo, como o mosteiro com a cidade episcopal. O vinho conservava seu antigo prestígio.
Com o aparecimento da burguesia, numerosos vinhedos das cercanias das cidades passaram para as mãos
dos seus ricos habitantes.
O comércio de vinhos beneficiou-se da clientela, cada dia mais considerável, dos países do norte,
especialmente dos Países Baixos, Flandres e Inglaterra grandes apreciadores dos vinhos do Porto, Madeira e Jerez,
alguns outros vinhos mediterrâneos e, sobretudo, os Bordeus, Borgonha e mais tarde, os champanhes.
Bordéus pertenceu à Inglaterra do século XII ao XV.
O consumo de vinho era muito elevado nos países do norte, chegando o seu consumo a ser superior do que nas
próprias regiões produtivas.
Quando, em 1579, os holandeses alcançaram a sua independência, dirigiram todos
os esforços para o comércio. Possuíam uma marinha numerosa e bem organizada,
assim como feitorias e armazéns. Praticando de uma maneira sistemática os
estudos dos mercados, chegaram a criar necessidades e a estabelecer o consumo dirigido.
Nos tempos de Luís XIV compravam grandes quantidades de vinho de pouco valor que misturavam,
adulteravam e revendiam obtendo grandes benefícios, e isso nas barbas dos países
exportadores que respeitavam escrupulosamente a integridade e pureza e onde
o comercio de vinhos era objecto de una atenta vigilância por parte das autoridades e corporações.
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Nos tempos do Renascimento, o mapa do vinhedo europeu coincidia aproximadamente com o actual.
Com a colonização e a expansão do cristianismo a viticultura chegou aos países do ultramar:
América de Sul, México, Califórnia, África do Sul, e em alguns, como na Argélia, tomou novo impulso.
Nesta, como em todos os países muçulmanos, havia sido travada pelos preceitos do Corão,
que proibiam aos crentes o consumo de bebidas alcoólicas. Doze séculos depois de Maomé,
a Argélia encontrava-se à altura dos principais países vinícolas do mundo.
Entre as numerosas vicissitudes que marcaram a história da vinha e do vinho, figuram como
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Filoxera
Insecto e ovos
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as de maior importância as enfermidades e os parasitas de procedência americana
importados nos meados do século XIX, onde se destaca a filoxera, que é um piolho microscópico
que ataca a raiz da videira, literalmente sugando a vida da planta. Esta peste, originária do
sudeste dos Estados Unidos, de alguma maneira entrou na França no ano de l860 e, até ao fim do século XIX
já tinha destruído 2/3 dos vinhedos europeus.
Porém, como sempre, o génio e a perseverança dos
homens sobrepuseram-se a estas contrariedades. Actualmente os métodos de vinificação
alcançaram um grau de perfeição quase científico. Em época de
voos espaciais e da
ciência nuclear o vinho conserva todo o seu prestígio. Intimamente vinculado às origens da
nossa civilização, constitui um de seus desenvolvimentos mais importantes e pacíficos. E ainda
continua sendo a mais nobre das bebidas.
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