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Romance
na Quinta das Torres
artigo
retirado da revista Rotas&Destinos
Uma
antiga casa senhorial convertida em Estalagem, às portas do
Parque Natural da Serra da Arrábida, ideal para quem tenha
a tranquilidade como meta.
À
sombra dos castanheiros que ladeiam a alameda de acesso à casa
principal corre uma ligeira aragem. Por entre o silêncio só
se ouve o resmalhar das folhas das árvores e uns pássaros
que chilreiam. Um cocker spaniel castanho e branco ladra mantendo-se
afastado. O resto é tão tranquilo quanto a canção
Courtyard Lullaby, de inspiração celta, que a irlandesa
Loreena McKennit dedicou à Estalagem Quinta das Torres, situada
em Azeitão, a apenas 26 quilómetros de Lisboa, em plena
Península de Setúbal, à entrada do Parque Natural
da Serra da Arrábida.
A invulgar classificação como estalagem - rara em Portugal,
e em vias de extinção desde que se institucionalizou
o Turismo em Espaço Rural - remonta a 1939, quando as portas
desta casa apalaçada, construída no século XVI,
foram abertas ao público, pela primeira vez, então como
Casa de Chá, pela tia do seu actual proprietário, João
Aires. Numa sociedade conservadora era inevitável que o escândalo
rebentasse.
Alguém
tinha ousado quebrar o círculo vicioso que mantinha alguma
aristocracia arruinada presa a convenções sociais, que
estabeleciam ser preferível deixar a casa ruir do que abri-la
ao público. O certo é que o falatório celebrizou
a Casa de Chá da Quinta das Torres, desde logo muito frequentada
pela mesma aristocracia que a criticava e pela alta burguesia. O seu
primeiro livro de contabilidade, de 1939, está agora emoldurado
e pendurado na recepção da Estalagem.
Mas nem tudo foram rosas. Os diversos assaltos que sofreu no primeiro
ano de vida - ficava então junto à estrada, a mesma
que ainda hoje liga Azeitão a Palmela - levou à transferência
da Casa de Chá para o edifício principal, o que acabaria
por ser um passo importante na conversão da Quinta das Torres
em Estalagem, disponibilizando também um quarto - o que tinha
sido do avô do actual proprietário - para alojamento.
A
ideia não parecia difícil de concretizar. O edifício
já tinha sofrido profundas alterações no interior
por diversas vezes, era bastante grande e, para a época, tinha
todos os requisitos necessários à sua classificação
como estalagem. Além do mais, era considerado um dos mais importantes
conjuntos arquitectónicos de Portugal, já que imitava
o típico estilo italiano de Quinhentos, Renascentista, sem
qualquer relação com as construções portuguesas
próprias da época da sua edificação, por
volta de 1570.
A
Quinta das Torres mantém-se na mesma família há
seis gerações, depois de ter sido adquirida por D. Manuel
Bento de Sousa, em 1877, após a morte de João Maria
de Melo, 3.º Conde de Murça, a quem tinha chegado depois
de complicados processos de heranças iniciados no século
XVIII. Até essa altura, e desde 1520, a propriedade pertencia
à família d´Eça, a quem tinha sido doada
em 1520 por D. Brites de Lara, Marquesa de Vila Real e senhora da
famosa Quinta da Bacalhoa, como presente de casamento a D. Maria da
Silva e a D. Pedro D´Eça. Por falta de sucessão
directa na família passou para um ramo colateral, os
Corte-Real,
desses para a família Saldanha e depois para os Melo, senhores
de Murça.
É o seu aspecto exterior, no fundamental inalterado desde 1570,
que lhe explica o nome. Quatro torres, cada uma em cada ângulo
do quadrado formado pela casa, erguem-se para o céu. Ao centro,
um pátio, com uma fonte e algumas árvores de citrinos,
criam um espaço onde reina a tranquilidade e onde é
possível desfrutar de agradável sombra, sob o alpendre
da casa.
A
Estalagem, tal como existe hoje, é fruto de uma recuperação
global onde se foram adaptando as antigas instalações
às exigências da vida moderna. Cavalariças, galinheiros
e antigas divisões deixaram de o ser para dar lugar aos dez
quartos, dois dos quais suites com terraço e lareira, e aos
dois bungalows actuais estes nos antigos galinheiros que foram
recuperados em 1964/65 , com capacidade para quatro pessoas,
com kitchenette e em sistema de self-catering. Tanto quartos como
bungalows dispõem de aquecimento central e estão decorados
com mobiliário de época, uma constante em toda a casa,
até nas áreas comuns, constituídas por salas
com lareira, restaurante aberto ao público e salas de congressos
e de festas, com tectos de madeira, portas à romana e alguns
belíssimos exemplares de azulejaria nas paredes.
O pavilhão em forma de templo, com uma cúpula sustentada
por doze colunas, que se avista da ladeira de acesso à Estalagem,
está rodeado por um enorme lago, com cerca de 900 m2, onde
nadam alguns peixinhos, completamente indiferentes ao calor que se
faz sentir cá fora. Ao redor, as várias espécies
de árvores e as plantas de jardim ajudam a criar uma atmosfera
muito aprazível. Apetece mergulhar, mas por agora teremos que
adiar esse desejo, porque nem a hora nem o lugar são adequados.
Todavia,
já para o Verão de 99, a Estalagem Quinta das Torres
disporá de uma piscina, rodeada por um laranjal, onde se poderão
satisfazer estas vontades súbitas. No lado da casa oposto ao
lago, o jardim, para uso exclusivo dos proprietários, apresenta
diversas árvores tropicais e três pequenos lagos. Se
está decidido a passar uns dias na Quinta das Torres, certifique-se
apenas que durante a sua estadia não vai realizar-se nenhuma
festa. É que seria uma pena não gozar completamente
da paz que esta Estalagem proporciona.
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