Azeitão a mesa de um café em Roma

por Ana Sofia Fonseca

Sábado à tarde. Deambulo pelas ruas de Roma, com a curiosidade de quem desvenda uma cidade. Está frio, começa a chover. Abrigo-me num café. Adormeço o espírito, ávido de notícias de Portugal, lendo, saudosamente as páginas de um Expresso há muito fora de prazo. Chove cada vez mais. Enquanto me deleito com notícias já gastas, um senhor, de rosto sem idade, aproxima-se da mesa. “Desculpe, é portuguesa?”, pergunta a medo, acrescentando, com voz trémula: “Vi que estava ler um jornal português”. Segue-se o habitual discurso entre gentes da mesma pátria que se encontram além fronteiras. Trocam-se elogios da terra natal, experiências de uma vivência noutras paragens... “Nasci e cresci na Ribeira”, diz, orgulhoso, enquanto aquece as mãos numa chávena de cappuccino. Com um sorriso, fecho o jornal e pergunto-lhe: “Moro em Azeitão, conhece?”. Ambos portugueses, numa cidade distante... Eis o suficiente para dois estranhos ou quase, numa mesa de café, em Roma, rumarem a Portugal. A distância tem destas coisas – condena o esquecimento as rugas da Pátria e aproxima as suas gentes espalhadas pelo mundo. Continua a chover. “Não há cidade como o Porto!”, afirma, de olhar brilhante.
A voz tornou-se forte, decidida. Saboreia cada piropo tecido ao Porto e ao Douro, com a nostalgia típica de quem há muito adoptou outra cidade. Retribuo-lhe, elogiando, de forma não menos exacerbada, as virtudes da Arrábida e de Azeitão. A milhares de quilómetros de distância, viajo pela serra, pelas ruas e ruelas da vila e tudo parece perfeito... Eis então que as suas ruas sem esgotos, o lixo espalhado pela Serra cada vez mais despida de vegetação, os dias sem água e os jardins públicos que não existem, chegam a Roma pelas palavras de um estranho ou quase. Eis as misérias de Azeitão vagueando, num café da encantadora Piazza Navona, através da descrição de um português com sotaque italiano. “Fui a Azeitão, no Verão... É pena estarem a dar cabo daquilo... Só pensam em construir casas, mas ninguém se lembra de criar infra estruturas. Não há nada a fazer... é o preço do progresso à portuguesa”, diz, desenhando gestos de indignação no ar. Já não chove. Despeço-me com um sorriso entre o magoado e o agradecido e volto a mergulhar nas ruas de Roma. Ninguém gosta de ouvir falar mal da sua terra, muito menos quando está longe, muito menos quando sabe que é verdade... Afasto-me do café, mas a conformada sentença deste português de sotaque italiano, ocupa-me o pensamento, “Não há nada a fazer... é o preço do progresso à portuguesa”. Será? De quem é a culpa do lixo à entrada do Parque Natural, das ruas sem esgotos, dos jardins e dos espaços infantis por fazer, da urbanização excessiva... De quem é a culpa das consequências de um progresso sem planeamento, das agressões à Serra? Da Junta de Freguesia, da Câmara Municipal e de todos os escravos do lucro, mas também minha e talvez sua...
A responsabilidade é das entidades competentes, mas talvez ainda mais de nós que os elegemos, de nós que assistimos passivos ou até mesmo alheados ao “progresso à portuguesa”.