Falta de pastos em Azeitão  (jornal Expresso)

A LUXURIANTE vegetação que envolve a serra da Arrábida transformou esta região no lugar ideal para a produção do secular Queijo de Azeitão. Mais do que a experiência e sabedoria tradicional dos queijeiros, sempre foi a qualidade dos pastos a definir o sabor e a textura deste produto. Porém, nos locais onde há 20 anos era habitual verem-se ovelhas a pastar, erguem-se hoje majestosas habitações, sem que sobrem vestígios dos pastos de outrora. Com tais mudanças, ninguém sabe qual será o futuro do Queijo de Azeitão. Os produtores mostram-se preocupados, mas impotentes face ao «boom» do cimento na região.

A aldeia de Quinta do Anjo, concelho de Palmela e zona agrícola por excelência, concentra três dos oito produtores do Queijo de Azeitão. Isidoro Matos Fortuna é queijeiro há quase 20 anos e desde que iniciou a sua actividade já viu desaparecer muitas pastagens. O inimigo destes produtores não é a certificação, nem as normas comunitárias para o licenciamento das queijarias. A grande ameaça para os três concelhos desta região demarcada (Palmela, Setúbal e Sesimbra) é a aposta imobiliária que cresce de dia para dia na região e ameaça devastar as poucas pastagens que ainda existem.


Bem feitas as contas, Isidoro Fortuna diz que à saída da Quinta do Anjo nascerão mais mil habitações, dentro de 10 anos. As estradas que antes eram «caminho de ovelha» deram lugar a extensões de alcatrão onde os carros atingem velocidades perigosamente alucinantes, impedindo a travessia dos animais para os pastos na outra margem. À medida que o cimento chega à região, as opções de pastagem restringem-se e os produtores sabem que chegará o dia em que as pastagens naturais darão lugar a rações alimentares.

Maria da Conceição Antunes sabe-o bem. Até hoje sempre foi conseguindo que as ovelhas da Queijaria Francisco Reis Antunes tivessem o melhor pasto, aquele que se encontra junto à serra da Arrábida. «Antes, os animais iam pastar à serra, infelizmente agora é mais difícil isso acontecer, pois para lá chegarem percorrem um caminho maior devido à construção», refere a queijeira ao mesmo tempo que explica que são «as pastagens ao cimo da serra que dão os melhores queijos».

O secular Queijo de Azeitão é em tudo semelhante aos seus congéneres Queijo de Serpa e Queijo da Serra da Estrela. Os ingredientes são os mesmos (leite de ovelha cru, cardo e sal), mas a verdadeira mestria da sua produção reside não só no tempo da cura como também «nas pastagens que lhe dão um aroma diferente», explica Maria da Conceição Antunes.


De pasta semimole, sabor algures entre o picante e o acidificado, amanteigado e de casca amarelada, o Queijo de Azeitão foi um dos primeiros a obter a Denominação de Origem Protegida (DOP). A sua certificação começa no próprio rebanho, onde o mínimo sinal de brucelose é um impeditivo à qualificação do mesmo. Ultrapassada esta fase, a inspecção segue até à ordenha, à verificação das condições sanitárias nas queijarias, culminando na prova do produto final.

É a cargo da ARCOLSA – Associação Regional de Criadores de Ovinos e Leiteiros da Serra da Arrábida, que fica a certificação deste queijo. Clara Raposo, representante da entidade, explica que para certificarem o seu produto os queijeiros «pagam entre 10 a 150 contos por mês, consoante o número de litros de leite utilizados na confecção do queijo». Uma medida que a responsável alega poder vir a ser alterada pelo Agrupamento de Produtores do Queijo de Azeitão (APQA), entidade detentora da marca.

Para os produtores, a certificação é uma mais-valia e o seu custo é dado como bem empregue. Um queijo certificado como Azeitão custa em média 3800 escudos o quilograma, ao passo que os exemplares não certificados são vendidos como queijo de ovelha a um preço inferior. João Burnay, do APQA, explica que, apesar dos preços praticados, «não há excedente de produção e este queijo encontra-se de norte a sul do país».

Na última época de produção, refere que foram confeccionados cerca de 150 mil queijos. Um nível de produção ascendente, motivado pelo crescente interesse dos jovens neste negócio (em substituição dos pais) e que para este responsável não traça um futuro negro para o Queijo de Azeitão. Pelo menos aparentemente.

CÁTIA MATEUS/MARIBELA FREITAS

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