por Sebastião da Gama
«(a
Frei Diogo Crespo)
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mais difícil não é ir à Arrábida,
porque no Verão há carreiras
de camionetas, no Inverno há em Azeitão táxis ou carroças ou jeriquinhos tão
prestáveis; como os da Cacilhas de antigamente, e de janeiro a Dezembro, para
muita e muito boa gente, há duas pernas vigorosas e de boa vontade que fazem
transpor, a Serra pelo Vale do Picheleiro. Difícil, difícil, é entendê-la:
porque boas praias, boas sombras e boas vistas há-as em toda a parte para os
bons banhistas, os bons amigos de bem-comer, os bons turistas; o que não há em
toda a parte é a religiosidade que dá à Serra da Arrábida elevação e
sentido. Sabe-se lá se o alor místico lhe vem da origem, se lho deixaram -
inefável herança! - os franciscanos do seu Convento?... Mas é fora de dúvida
que o visitante, se o não apreendeu, saiu da Arrábida sem sequer ter entrado
nela verdadeiramente!
Vá
sozinho, suba ao Convento, que é onde o espírito da Serra converge e como que
ganha forma, leve, se quiser, os versos de Agostinho (bem-aventurado, que no-lo editou,
o Professor Mendes dos Remédios!) e experimente como afinal é fácil estar a sós
com Deus.
Quando,
de rosado, começa a arroxear-se o horizonte, a Serra é um vulto de sombra
parado a meio do silêncio. Pios de ave, como goteiras, piguelingam de quando em
quando e de onde a onde - e damos então mais consciente notícia do grande silêncio.
Dizemos:
Assim
com cousas mudas conversando,
com
mais quietação delas aprendo
que
outras que há, ensinar querem falando.
Se
a Lua surgir, o mato começa a desenhar no chão arabescos que já sabemos ler;
empalidece mais o Convento e nós, compenetrados da beleza divina (ou
franciscana?) das coisas, somos a grande porta que se fecha sobre a Serra para a
Serra dormir, pela noite longa e azulada de Estrelas, na sua, meditação que já
dura séculos.
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Céu fica-lhe perto: Bastaria acordar a meio da noite... Bastaria, para que Deus
a ouvisse, sonhar alto um verso de Frei Agostinho, dos muitos que ele rezou e
ela sabe de cor...
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(Flama,
2-XII-49.)