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A
existência de uma quinta real em Azeitão pertencente à Infanta D.
Constança, mulher do futuro D. Pedro I, tornou-a o local de veraneio da melhor
nobreza do reino. Esta preferência aumentou quando a Corte passou a fixar-se,
com frequência, em Setúbal, a sede da Ordem de Sant'Iago se instalou no Real
Convento de Palmela, e os Duques de Coimbra e, mais tarde, os Duques de Aveiro
edificaram o seu Palácio em Azeitão, onde permaneciam longas temporadas. Do
século XV ao XVIII, Azeitão encheu-se de mais palácios e casas solarengas, em
grande parte ornadas de precioso mobiliário e dispondo do melhor que o País
recebia da Ásia e da Flandres. Contavam-se entre os seus proprietários a «nobre
linhagem de Quinhentos» de que faziam parte os capitães mais famosos de África e
índia cujos nomes estão ligados à nossa epopeia e que aí vinham descansar; os
que visitaram outros países onde presenciaram o movimento renascentista e
desejavam aplicar as novas ideias na construção das suas habitações; os que
ocupavam cargos elevados na hierarquia do paço dos Duques de Aveiro, em Azeitão;
e ainda os que pretendiam somente veranear regaladamente num sítio aprazível,
pitoresco, apenas distante cerca de 10 quilómetros da margem esquerda do Tejo.
A
longa permanência da Casa de Aveiro em Azeitão concorreu, sem dúvida, para a
prosperidade engrandecimento da localidade e, sobretudo, para a própria vida
faustosa que se fazia na maior parte dos solares. Os Duques de Aveiro eram, como
se viu, pró-espanhóis, o que sucedia também com a maioria dos fidalgos que
tinham propriedades em Azeitão e cujos títulos e posição social elevada tinham
já sido alcançados durante o domínio dos Filipes. A independência do País e a
entronização dos Duques de Bragança provocaram a retirada desses fidalgos dos
seus solares, ainda que com certa esperança num restabelecimento do passado,
deixando à guarda dos seus servidores o riquíssimo espólio das suas
propriedades. O regresso não se verificou, alguns dos fidalgos morreram
entretanto, e os que os haviam servido, desconhecendo o valor do que lhes fora
confiado, deixaram-no dispersar. Não admira, por esse motivo, que em meados do
século passado não houvesse casa em Azeitão, mesmo pobre, que não tivesse
porcelanas da índia ou ricas colchas e panos da mesma proveniência e cujas
janelas não fossem ornamentadas com uma colcha de damasco, durante a procissão
do Corpus Christi.
A localidade de Azeitão durante os séculos XVII e
XVIII voltou a ser preferida para veraneio, sendo procurada nessa altura por
novos habitantes igualmente abastados, em parte nobres com comparticipação mais
ou menos directa na Restauração do País, em parte por uma alta burguesia que
exercia importantes cargos no Reino e usufruía do benefício de Cavaleiros da
Ordem de Cristo, os quais haviam adquirido terrenos ou quintas em abandono onde
construíram de novo sumptuosos solares. A criadagem desses senhores foi também
edificando as suas habitações e, assim, a pouco e pouco, por toda a parte, de
Vila Fresca a Aldeia de Irmãos, construíram-se casas a que se ficou devendo o ar
afidalgado destas povoações que marginam a estrada. São, como ainda actualmente
se vê, «aldeias de carácter especial, ricas e embelezadas numa preocupação de
urbanismo». É a este período que pertence uma grande parte do património
arquitectónico ainda existente. Entretanto, o triunfo do liberalismo e a
consequente derrota do partido de D. Miguel provocou uma nova mudança na
população abastada de Azeitão e principalmente uma quebra do prestígio de grande
parte dos proprietários dos palácios e solares em que vivia a nobreza do País.
Os Condes de Carvalhais, de Rio Pardo, de São Lourenço, de Mesquitela e de
Povolide eram miguelistas. A maioria abandonou os seus solares ainda na
esperança de um restabelecimento do passado, que, de novo, não se verificou e as
suas propriedades, com excepção da Quinta das Torres, entraram em ruína. Este
acontecimento, tal como sucedera depois da Restauração, conduziu à dispersão do
património e à existência inesperada, em muitas casas de gente pouco abastada,
do valioso espólio que pertencera a esses solares. Era na realidade o fim da
«fidalga Azeitão», acerca da qual, em 1878, Alberto Pimentel gracejou afirmando
«a nobreza lisbonense fazia de Azeitão a sua Sintra e ainda hoje há lá vestígios
dessas vilegeaturas fidalgas, nomeadamente no paço da Bacalhoa, que está muito
menos bem conservado que o seu dono o Sr. Conde de Mesquitela». «Mas a nobreza
mudou de rumo no Verão, não sei porquê, e hoje quer-me parecer que há apenas
três admiradores entusiastas de Azeitão: o Sr. João de Andrade Corvo, o Sr.
Henrique da Gama Barros e eu... Duas pessoas distintas eles, e três
regeneradores verdadeiros... nós». Pouco depois de ser feito este comentário,
durante a vintena de 1880-1900, alguns dos solares azeitonenses reanimaram-se um
pouco, em virtude da aquisição da Quinta das Torres pelo prestigiado médico e
professor Manuel Bento de Sousa e da Quinta dos Césares pelo estadista e
conselheiro Mariano Cirilo de Carvalho, que, durante a sua estada na região,
ainda chegou a presidir a uma das edilidades setubalenses.
Dom Manuel Caetano de Sousa, nas suas Memórias
Históricas, publicados em 1726, considerou como as principais «quintas de
Azeitão»:
Umas foram
conservadas ou, posteriormente, reconstruídas, constituindo a maior
parte do património arquitectural de Azeitão; outras encontram-se em ruínas ou
limitadas apenas a alguns vestígios; outras, ainda, perderam a sua
individualidade, tornando-se impossível conhecer, com alguma precisão, o local
onde se erguiam. Depois de 1726 foram ainda edificadas outras quintas cujo
interesse histórico ou arquitectónico não deve ser menosprezado. Fazem parte
destas propriedades, entre outras, as Quintas de Santo Amaro, Bassaqueira, das
Conselheiras, de São João, do Maia, do Morgadio da Penha de França
(Aldeia de Oleiros) e das Baldrucas.
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