A fundação
de um convento na serra da Arrábida resultou de um encontro em fins de
1538 ou princípios de 1539 no Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe,
em Espanha, de D. João de Lencastre, 1º Duque de Aveiro, com Frei Martinho,
um religioso castelhano da Ordem de S. Francisco, filho dos Condes de Santo
Estevam del Puerto. O frade confessou-lhe que desejava fazer uma vida eremita, dedicada
exclusivamente a Nossa Senhora, e o duque ofereceu-lhe a serra da Arrábida,
onde, como já se referiu, existia uma ermida aberta ao culto em que se
venerava a imagem conhecida por Nossa Senhora da Arrábida. Alcançada a
23 de janeiro de 1539 a licença necessária do Padre-Geral da Ordem Franciscana,
Frei Martinho veio para Portugal na companhia do leigo Frei Martinho Navarro
e instalou-se na Arrábida a 23 de Setembro do mesmo ano. o local parece
ter impressionado tanto o religioso castelhano que o cronista Frei António
da Piedade lhe atribui, na altura da chegada, a frase «se não estou no
Céu, estou nos seus arrabaldes». Frei Martinho de Santa Maria, como pediu
que lhe chamassem logo que se devotou a Nossa Senhora da Arrábida, iniciou
uma vida baseada na pobreza e na humildade em que se inspirou o fundador
da sua Ordem. Descalçou as sandálias, encurtou o hábito de modo a dar-lhe
o mínimo de agasalho, cingiu-o com uma corda de esparto e cobriu-se com
um capuz piramidal que se tornou característico dos frades arrábidos. Segundo
a tradição as suas refeições eram extremamente parcas, desprovidas de carne,
peixe e vinho e constituídas quase exclusivamente por pão, legumes e algumas
ervas cozidas. Frei Martinho Navarro não suportou a aspereza desta vida,
retirando-se para Espanha e sendo substituído pelo português Frei Diogo
de Lisboa. Os dois religiosos, juntamente com Frei Pedro de Alcântara Frei
João Aquila, convidados pelos Duques de Aveiro, e ainda e Frei Francisco
Pedraita, todos provenientes da Província Religiosa de S. Gabriel de Castela,
formaram a primeira comunidade do Convento da Arrábida.
O cronista
Frei António da Piedade refere-se muito pouco à Ermida de Nossa Senhora
da Arrábida ou da Memória, a única edificação existente nessa época no
local e que, segundo a sua citação, ficava à distância de quase uma légua
da Ermida de El Carmen e olhava contra o mar oceano.. Existe no entanto
um rol da prata e ornamentos. nela existentes, escrito por altura de uma
das visitações da Ordem de Sant'Iago, iniciadas em 1553, por ordem de D.
João III e ainda no tempo do 1º Duque de Aveiro, em que se assinala que
a capela possuía:
Um cálice de prata dourada
-
Dois copos de ouro delgado
-
Um grão de aljofra encastoado em um pequeno de ouro
-
Oito pares de figuras de prata grandes e pequenas
que lhe ofereceram
-
Uma cruz de chumbo da Flandres, toda dourada
-
Uma vestimenta nova de damasco com sanastros de veludo
verde Outra vestimenta nova de pano da índia, muito boa, com sanastros
de zargania
-
Outra de chamelote laranjada, ornada de damasco preto
Um frontal de damasco branco
-
Muitos tocados de Nossa Senhora
-
Duas toalhas de algodão
-
Uns mantos novos
-
Duas toalhas de ponto branco
-
Duas arcas de cedro em que estão todos os ornamentos
Uma caldeira de água benta
-
Uma alampada de Nossa Senhora Dois sinos grandes
-
Quatro meãos
-
Seis pequenos.
Conhece-se pouco acerca da imagem de Nossa Senhora da
Arrábida que ali se venerava, a não ser que os frades, para a defenderem,
pois «tantos desejos se tinham manifestado de a possuírem», substituíram-na
por uma outra. A imagem que até há cerca de duas décadas existia na capela
e que se diz ter sido roubada já não era a que substituiu o original. Fora
colocada na ermida em 1713 pelo guardião do convento, tendo-se tomado «alvo
da devoção dos fiéis, por tão perfeita e limpa».Existindo na serra, por
essa altura, como atrás se referiu, apenas a Ermida de Nossa Senhora da
Arrábida, os cinco anacoretas ali viveram fazendo por suas mãos estreitas
celas onde se abrigavam, as quais, segundo o cronista da Arrábida, «mais
pareciam cabanas de pastores» . Actualmente persiste apenas um desses cubículos
que, segundo se julga, foi de início a cela de Frei Martinho e depois a
de Frei Pedro de Alcântara e onde, segundo a lenda, residiu Hildebrant.
Esta pequena habitação foi acrescentada mais tarde e transformada em sacristia
da Ermida de Nossa Senhora da Arrábida. Em 1640 o Duque de Aveiro, D. Raimundo,
mandou reparar a ermida, forrá-la de azulejos e ainda colocar-lhe a imagem
de S. Pedro de Alcântara e uma inscrição em que se assinalava o ano da
beatificação do frade e se fazia referência à acção que tivera na reforma
arrábida: «Esta Ermida foi a Própria Cela Do Santo Frei Pedro de Alcântara,
em que viveu Alguns tempos, e foi guardião No Mosteiro de Palhais desta
Província de N. S. da Arrábida, donde passou a Castela a fundar a Província
de S. Joseph e lá faleceu dia de S. Lucas, o ano de 1562 aos 63 da sua
idade e 47 de hábito. Foi beatificado pelo Papa Gregório XV na era de 1622
e para consolação e memória dos seus devotos mandou o Duque D. Raimundo
reparar esta sua cela e pôr aqui a sua imagem no ano de 1644.
Tudo desapareceu nos últimos
anos, tornando-se desolador o aspecto interior deste pequeno templo, que,
dada a sua antiguidade e significado, constituía um património valioso
do País, que merecia ter sido conservado. Em 1720, um guardião do convento,
Frei José da Esperança, restaurou as restantes celas e mandou colocar algumas
estátuas de barro, evocando os principais momentos da vida penitente dos
primeiros arrábidos. São estas reconstituições que actualmente ainda existem,
embora quase irreconhecíveis devido ao vandalismo e à ignorância. O refeitório
inicial era uma «gruta ou cova, formada por dois penedos, limitando entre
si, um breve espaço o qual não consente mais que uma pessoa.. O guardião
do convento Frei José de Jesus Maria mandou-o reparar em 1715 e colocar-lhe
três imagens, uma de S. Francisco de Assis, outra do fundador e outra ainda
de S. Pedro de
Alcântara. Num banco de pedra, edificado no interior do primitivo refeitório,
foram modeladas também, por ordem do mesmo guardião, as imagens dos outros
companheiros e do primeiro noviço. Até há poucos anos existia somente um
pedaço da última destas estátuas, constituída por uma parte do hábito e
a representação simbólica de uma refeição. Actualmente já nada resta. O
Padre-Geral da Ordem Franciscana Frei João Calvo visitou a Arrábida em
1542 a convite do Duque de Aveiro, D. João de Lencastre, incorporando a
ermida na Ordem assim como os conventos que se fundassem no futuro, os
quais ficariam sujeitos ao seu Superior. Autorizou também a edificação
de um convento naquele local e nomeou custoio Frei Martinho de Santa Maria,
com a faculdade de receber noviços. Terminava desta maneira a vida ermítica
e os cinco anacoretas constituíam a Custóia da Arrábida, mais tarde, em
1560, a pedido do Cardeal D. Henrique, elevada a Penitente e Observante
Província da Arrábida. Já tinham decorrido dois anos da vida da comunidade
franciscana da Arrábida quando D. João de Lencastre iniciou, em 1542, uma
construção que para se distinguir da primitiva instalação - o Convento
Velho - se tomou conhecida por Convento Novo. O seu plano incluía a edificação
de «uma igreja mais ampla e mosteiro com oficinas em sítio mais acomodado
onde também havia terra capaz para hortego».
As obras estiveram interrompidas
a partir de certa altura porque Frei Martinho julgou que uma melhoria tão
grande das condições de vida poderia desvirtuar a austeridade da reforma
pretendida e também porque Frei André da Insua, provincial da província
do Algarve (1543-1553), dificultou o cumprimento dos estatutos que regiam
a Custóia da Arrábida. Entretanto, nem este obstáculo nem a própria morte
do fundador, ocorrida em Lisboa no Hospital de Todos os Santos em 1547,
impediram que a comunidade prosperasse e se modificasse a espiritualidade
dos frades fundamentada na Regra de S. Francisco de Assis. É, no entanto,
de assinalar que a presença na Arrábida de S. Pedro de Alcântara teve um
papel relevante na concretizarão deste objectivo. Frei Martinho tinha feito,
entretanto, profissão a oito noviços, entre os quais se distinguiram Frei
Pedro Lagarto (que estudou Teologia em Salamanca e foi o primeiro pregador
da Ordem e mais tarde provincial); Frei Damião da Torre (que exerceu os
cargos de 2.2 e 3.Q provincial); Frei Salvador da Cruz (que morreu em Alcácer
Quibir, confortando os portugueses que ficaram cativos) e Frei Jácome Peregrino
(que estudou em Salamanca e foi mais tarde primeiro provincial na reforma
arrábida). Dom Jorge, 2º Duque de Aveiro, preocupou-se no seu testamento
feito antes de partir para Alcácer Quibir, não só em manter a sua linhagem
mas também em salvaguardar o Mosteiro de Nossa Senhora da Arrábida, que
era a «Cabeça da Província dos seus fradinhos menores», para o que pedia
ao rei que concedesse aforamento de toda a serra da Arrábida a sua filha
D. juliana. Antes da sua morte teve contudo ainda a oportunidade de mandar
proceder à edificação da cerca do convento, de promover uma maior aproximação
das celas dos religiosos, que até então se encontravam dispersas pela serra,
e também de iniciar outras obras que vieram a completar-se depois da sua
morte. Dom Álvaro, 3º Duque de Aveiro, casado com D. juliana, concretizou
todos os projectos de D. Jorge e prestou «ainda ajuda de custo aos guardiães
que fizeram outras que de todas se compõem o convento na forma que hoje
se conserva»
O chamado Convento Novo está edificado
na encosta da serra, do lado sul, com a frente para o mar, «a meio pendor
de uma garganta que medeia a parte principal da serra, entre dois espigões
alcantilados, num fantástico efeito de cenografia». É um convento rústico
constituído por um agrupamento de pequenas celas, igrejas e outras dependências,
alvejando por entre as árvores. A descrição mais antiga deste mosteiro
data de 1728 e deve-se a Frei António da Piedade. Este cronista escreveu
que «subindo os que forem pelo mar e descendo os que caminham por terra,
dirigindo-se por áspera vereda, chega-se a um largo onde se depara a entrada
do convento, ante a qual se ergue um penhasco, sobre que está uma cruz
de pedra e defronte dela a imagem do segundo fundador, S. Pedro de Alcântara,
com os braços abertos para a mesma Cruz». É o que se observa ainda hoje,
embora a imagem já não seja a original. À esquerda da porta de entrada
do edifício do convento existe uma figura de mármore, de dez palmos de
alto., firmada sobre uma esfera, representando Frei Martinho, com os braços
em cruz, os olhos vendados, a boca e o peito fechados a cadeado e empunhando
na mão direita uma tocha acesa e na esquerda as disciplinas e os cilícios.
Na esfera há uma inscrição meio apagada, que lembra aos frades o alto exemplo
do fundador do Convento e assinala que a sua construção foi efectuada em
1662 sob os auspícios do Duque D. Álvaro, 3º padroeiro desta Santa Província. Transposto
o portão de ferro do mosteiro depara-se-nos as portas da igreja e da portaria
que se encontravam no século XVIII forradas de cortiça, o que actualmente
sucede apenas com a da igreja. As paredes do corredor da portaria ou «trânsito» estão
ornamentadas com um lindo embrechado a enquadrar painéis de azulejo que
representam figuras da Ordem Franciscana: S. Jácome da Marca, S. Bernardino
de Sena, S. Luís Bispo, S. Boaventura, S. Pedro de Alcântara, Santo António
de Lisboa, S. Francisco de Assis, Frei Francisco dos Reis, Frei Diogo dos
Anjos e Frei Agostinho da Cruz. Há cerca de 30 anos, durante uma exploração
minuciosa que se efectuou com Henri Delpeut ao recinto do convento, com
a finalidade de procurar obter elementos sobre a comunidade que o habitara,
encontraram-se alguns fragmentos de azulejos, em tudo idênticos aos dos
painéis da portaria, representando a cabeça de um frade, não adaptável
a qualquer das figuras aí existentes. Depois de várias conjecturas admitiu-se
que pudessem constituir parte de um painel representativo de Frei Martinho
de Santa Maria, retirado da parede do corredor da portaria por desnecessário,
quando o 3º Duque de Aveiro mandou colocar a figura do fundador na frontaria
do mosteiro. Admitiu-se, também, a possibilidade de o painel ter estado
onde actualmente, junto do arco da portaria, se vê um anjo, igualmente
de azulejo, segurando um pergaminho onde se faz uma referência muito particular
a três figuras quando, na realidade, pelo menos mais uma das que ornamentam
o corredor - a de Frei Pedro de Alcântara deveria forçosamente ser considerada
na inscrição porque foi dos primeiros religiosos que viveu nas condições
assinaladas. No fim do corredor da portaria está a imagem de Jesus rezando
no horto e, à esquerda, o jardim de S. Pedro de Alcântara, junto do qual
se encontra a Capela de Nossa Senhora da Piedade. O jardim permite, também,
passagem para a Fonte da Samaritana, e, por intermédio de dezoito degraus
de pedra tosca, conduz, ainda, a um largo ladrilhado coberto por uma parreira,
o qual dá acesso à cozinha, refeitório e tribuna dos duques. Do lado da
cozinha e a meio do refeitório existe uma outra escada estreita que dá passagem
para algumas celas, o Terreiro de Sant'Iago, a cela dos prelados e o coro. À frente
do terreiro, subindo por uma escada de pedra, com seis degraus, encontra-se
a cela de Frei Diogo dos Anjos e, à esquerda do mesmo terreiro, utilizando
outra escada, chega-se à livraria e a outras celas. Mais acima ainda, já ,entre
os bosques da montanha., há uma pequena capela dedicada ao Ecce Homo e
outra dedicada à imagem de Nosso Senhor Crucificado. Dispersas por entre
as árvores silvestres, encontravam-se mais celas cujos acessos se faziam
por pequenas escadas. A vasta bibliografia existente sobre o Convento da
Arrábida não justifica uma descrição extensa e pormenorizada das suas dependências.
No entanto deve fazer-se uma breve referência a alguns pormenores que o
caracterizam, e à história de algumas edificações existentes na sua vizinhança,
factos que se consideram imprescindíveis ao tentar rememorar a história
da serra da Arrábida. A
igreja do Convento é pequena, como o eram, por estatuto, as da mesma Ordem.
A imagem de Nossa Senhora da Arrábida, que nela se venera, tem uma lenda
e uma história curiosa. «É tradição dos nossos padres», diz Frei António
da Piedade, «que a imagem existente na Ermida da Memória foi trazida para
o Convento Novo quando este se fundou; porém, três vezes se ausentou para
o local a que pertencia. Os frades resolveram, em face do prodígio, colocar
na nova igreja uma outra imagem que, ainda aí é venerada». A nova imagem
era de pedra e estava sentada numa cadeira; tinha também no braço esquerdo
um Menino Jesus, o qual, com uma das mãos, pegava numa ave e com a outra
arrancava um espinho do pé, sinal da aspereza da vida na serra. Um guardião
do convento achou pouco própria a posição sentada da imagem e resolveu
pô-la de pé, mandando-a serrar a construir-lhe um meio corpo de madeira.
Dado o facto de a mão direita estar pegada à cadeira, fez-lhe outra, em
que pôs um ceptro. Estas alterações foram, como seria de esperar, motivo
de forte contestação quer por parte dos frades quer por parte daqueles
que se têm interessado pela história do mosteiro.
A igreja tem sepultadas algumas pessoas ilustres
tanto pela sua posição como pelas suas virtudes. À entrada está a lápide
tumular do 5º Duque de Aveiro. É de mármore e tem uma tarja preta. A sua
inscrição é a seguinte: «Este lugar escolheo pª seu jazigo o Exmº Snor
o Duque D. P.º Arcebispo e Inquizidor Geral Falec.º em 23 de Abril de 1673» Na
capela-mor jazem os Duques D. Álvaro e D. Juliana, seu filho o Duque de
Torres Novas e a sua neta Ana Luísa. No lado esquerdo da igreja, entre
o confessionário e a teia, forrada de grades no canto da parede da sacristia,
está sepultado Frei Agostinho da Cruz. Em três campas contíguas ficaram
repousando Frei Diogo dos Anjos, Frei Francisco dos Reis e Pedro Mesquita
Carneiro. Finalmente,
no corredor da portaria à entrada da porta lateral da igreja, está Frei
Tomé de Jesus, que, contrariamente aos anteriores, foi um humilde moço
que serviu a comunidade dos 14 aos 83 anos, esmolando para o convento no
caminho de Azeitão e das povoações circunvizinhas. Conta Frei António da
Piedade que seu corpo se conserva inteiro, triunfando da corrupção, privilégio
com que o próprio Deus parece querer acreditar a sua santidade. As celas
foram construídas junto à encosta da serra ou escavadas na própria rocha;
tinham apenas as dimensões necessárias para cada monge se mover dentro
delas, não podendo, contudo, permanecer de pé. A luz só ali penetrava coada
por estreitas frestas que lhes permitiam, porém, contemplar o maravilhoso
panorama que dali se avistava. A pouca altura da parede desdobrava-se uma
prancha larga de uma alna, coberta por um cobertor, a qual constituía a
cama dos frades. O seu travesseiro era formado por um madeiro tosco e às
vezes por uma pedra. Não existia, em nenhuma delas, qualquer outro móvel.
Pode-se observar ainda uma cela de aspecto particular, «em proeminente
lugar, subindo uma escada tosca de dezasseis degraus, que pertenceu ao
venerável Frei Diogo dos Anjos, singular anacoreta deste ermo., onde existe
,uma imagem do Senhor Crucificado em um painel que, por tradição, falava
com o seu fiel servo.
A comunidade dos frades capuchos arrábidos tornou-se notável pela austeridade
da sua vida, como Frei Martinho preconizara quando iniciou a sua reforma. As
refeições constavam de peixe, legumes e ovos, A água servia-se em vasos de cortiça
e os pratos eram conchas de mariscos recolhidas na praia. A carne não fazia parte
das ementas do convento; «quando acontecia algum frade adoecer era levado para
uma casa existente no sopé da montanha» segundo cremos a Casa dos Frades, «onde
lhe serviam refeições de carne que em Portugal se consideram boas para todas
as doenças» os frades tinham uma só refeição. O guardião ocupava o lugar do meio
de uma mesa em ferradura em que se sentava toda a comunidade. Enquanto comiam
ninguém pronunciava uma palavra excepto um frade que, próximo da porta, lia em
voz alta trechos de um livro religioso. A água que servia a comunidade era fornecido
pela fonte da Samaritana, «É uma água cristalina, saborosíssima que nasce de
uma penha que fica em baixo do altar-mor. No mais ardente estio não falta e neste
ano de 1715 em que secaram as mais nomeadas fontes e celebrados rios do reino,
ela sempre se conservou ainda que com alguma diminuição, mas não aquela que se
podia recear à vista da calamidade do tempo e aspereza da serra. 0 mesmo sucedeu
em 1945 não obstante a água ter escasseado em todo o país, devido à falta de
chuva. A fonte que hoje se vê, segundo contaram algumas pessoas muito idosas,
tem um aspecto diferente do que ainda chegaram a conhecer: Era «dum vistoso embrechado» como
referiu Frei António da Piedade, ocupava um recanto do edifício do convento cujas
paredes laterais estavam, em parte, revestidos por dois painéis de azulejo, os
quais há muito deixaram de existir. O da esquerda representava a Samaritana dando
de beber a Jesus junto do poço de Jacó, como D. Dulce Perestrelo já assinalou
em Arrábida e o Seu Convento, e o da direita, segundo se conseguiu apurar, uma
transcrição do Evangelho segundo São João 4:7 «Chegou uma mulher da Samaria e
Jesus disse-lhe: DÁ-ME DE BEBER». Quando
D. Álvaro, 3º Duque de Aveiro, continuou as edificações iniciadas por seu primo
D. Jorge, mandou construir a Casa da Romagem (actualmente conhecida pela Romana,
Casa do Círio ou Hospedaria), que lhe servia de alojamento quando por aqui se
demorava com os filhos, caçando ou pescando, e projectou as «ermidas» ou «guaritas» na
crista do monte, para estação dos passos de Jesus e oferecer abrigo aos arrábidos
ermidas, deixando três por acabar.